Produção científica no Brasil tem queda inédita e no mesmo nível da Ucrânia em guerra

Contração de artigos científicos foi a primeira vista desde 1996 e é o pior índice entre 51 países, mostra levantamento


Um levantamento publicado nesta segunda (24) concluiu que o Brasil teve sua primeira queda na publicação de artigos científicos desde 1996. A redução foi de 7,4% em 2022 em comparação ao ano anterior. O índice é o pior entre 51 países analisados e é igual ao da Ucrânia, que esteve em guerra pela maior parte de 2022.

Os dados foram compilados pela Agência Bori, serviço que conecta a imprensa e a ciência brasileira, e pela Elsevier, uma editora de publicações científicas. De início, foi definido que entrariam no levantamento somente aqueles países que publicaram mais de 10 mil artigos em 2021 –no caso, 51 nações. Elas já representam cerca de 95% de toda a produção científica mundial.

Optou-se pela base de dados Scopus, da Elsevier, para acessar o montante de publicações. Um artigo era considerado de um país caso o autor fosse vinculado a uma instituição daquela nação, mesmo que o periódico fosse internacional. Por exemplo, um artigo de um professor da USP (Universidade de São Paulo) publicado em uma revista do Reino Unido entrava na soma brasileira.

Além do Brasil, outros 22 tiveram queda na produção científica. A contração aconteceu também em países ricos e com fortes instituições de pesquisa, como EUA, Inglaterra e França.

Mas o que chama a atenção de Estêvão Gamba, cientometrista da Agência Bori e um dos responsáveis pelo levantamento, é que foi o primeiro ano que ocorreu uma queda na produção de artigos brasileiros. "Desde 1996, que é quando essa base da Elsevier foi criada, é a primeira queda do Brasil."

Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, foram cerca de 77 mil artigos publicados nacionalmente. Um ano depois, esse número subiu para 80 mil e, em 2022, caiu para 74 mil. Gamba explica que o país sofria uma desaceleração no volume de textos publicados nos períodos científicos, mas ainda não tinha registrado uma contração comparada ao ano anterior –sempre subiu, mesmo que pouco.

Outro aspecto preocupante é que a diminuição de 7,4% foi a maior registrada em todos os países. Somente a Ucrânia também chegou a esse percentual, mas o país do leste europeu esteve em guerra por quase todo 2022, o que pode explicar a queda.

No caso do Brasil, existem hipóteses diferentes para dar conta do encolhimento. Um deles, que também impactou outros países, foi a pandemia de Covid-19. Além desse, a falta de financiamento que a ciência brasileira passou nos últimos anos causa um efeito negativo no desenvolvimento de novos artigos. "Não se faz pesquisa sem dinheiro", resume Gamba.

E a redução nacional pode continuar nos próximos anos. Isso porque a realização de uma pesquisa demora, juntamente com sua publicação. Gamba explica que a queda de 2022, por exemplo, é reflexo de pesquisas que deixaram de ser desenvolvidas em meados dos anos de 2019 e 2020.

Como a pandemia se arrastou por outros anos e também houve contingenciamento de verba, a produção nacional de artigos deve sofrer ainda. "A gente ainda vai continuar possivelmente observando a queda", diz Gamba.

Mas a nível global a produção de artigos na totalidade cresceu. O aumento foi 6,1% em 2022 em comparação ao ano anterior. China, EUA e Índia são os três principais produtores de pesquisa –o Brasil ocupa a 14ª posição, mesma que já tinha em 2021.

OUTROS INDICADORES

A ciência de um país ou de uma instituição não é medida somente pela quantidade de artigos veiculados em periódicos. Outro indicador importante é a qualidade dessas publicações, que pode ser acessada, por exemplo, pelo volume de citações feitas em outros estudos. Quanto mais um artigo é citado, maior sua qualidade e relevância na área de pesquisa.

Por enquanto, o levantamento recém-divulgado não compilou informações sobre a qualidade, mas isso já está no horizonte da equipe, afirma Gamba. "A gente só está vendo a queda na produção, mas pode ter caído também a qualidade dos artigos", conclui.

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