Cientista pop: o pop não poupa ninguém

Artigo publicado no Jornal da Ciência no dia 23 de setembro de 2020.


Bruno Lara.


Luz, câmera, ação! Essa tem sido parte da rotina de alguns cientistas no Brasil desde o início da pandemia. Sem largar os jalecos e laboratórios, muitos deles estão na linha de frente da divulgação científica para defender o legado, a credibilidade e a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para o progresso do país e o bem-estar humano. Tem crescido a quantidade de cientistas youtubers, podcasters, blogueiros, instagrammers e influencers de um modo geral. O próximo passo é ter um cientista no Big Brother (calma! Brincadeira pra descontrair).

O movimento de projetar mais a ciência na sociedade já vinha tomando contornos de proporções maiores. Mas, a pandemia deu um empurrãozão para elevar a visibilidade da ciência. A área está há meses nas manchetes dos jornais, capas de revistas, é destaque em horário nobre da TV aberta e virou até assunto em mesa de bar (a recomendação não é o distanciamento social?).

A ciência (re) vive um momento em que precisa intensificar quantitativa e qualitativamente a comunicação com a sociedade. Precisa circular com habilidade na esfera pública para propagar a ideia de que sem investimentos humanos, financeiros e materiais pesados na CT&I, o Brasil não cresce, prospera e se desenvolve. Eu inseri de propósito “humanos” na frente, porque tem crescido um discurso de que dinheiro bem gasto é, principalmente, em tecnologia e equipamentos, em desprestígio às pessoas. Para mim, gente é o maior valor de qualquer projeto.

O sucesso do Brasil enquanto território é “só” um meio (não me interprete mal), porque o fim é o bem-estar do cidadão, da população. A finalidade da economia, da tecnologia etc. é o progresso, a justiça social, a felicidade, a solidariedade entre nós. Se o humano é um empecilho para o progresso do país, algo deve ser repensado p-r-o-f-u-n-d-a-m-e-n-t-e. A preciosidade da vida não pode ser instrumento a qualquer custo para a realização de determinados projetos de nação.

Por isso, antes de os divulgadores e cientistas se lançarem na opinião pública, é importante afinar os conceitos norteadores da narrativa científica, deixando claras quais são as ideias transmitidas. Depois, vamos confiantes aparecer e debater nos meios de comunicação, tanto os tradicionais quanto as redes sociais.

Aliás, cientistas, divulgadores e instituições de CT&I precisam estar nas redes sociais, querendo ou não. Nessas plataformas estão importantes fluxos de informações que ajudam a formar ideias, influenciar pessoas e (re) formar culturas. Há gerações que têm como referência a Netflix, o Youtube, Whatsapp, Tik Tok etc., e nem sabem bem o que é novela das oito e Faustão.  Não quer dizer que devemos menosprezar o ainda influente tradicional modelo de comunicação, mas devemos estar atentos às características e ao potencial dos novos meios de interação. Hoje, as redes sociais são poderosos instrumentos políticos e culturais.

Todos os pesquisadores deveriam criar canais no Youtube, fazer selfies e lives no Instagram? Claro que não. Espera-se, pelo menos, uma predisposição para os cientistas conversarem com jornalistas, outros divulgadores e as assessorias de comunicação da própria instituição. Muitas vezes, o cientista é pouco acessível até mesmo onde trabalha.

É bem verdade que esse quadro está mudando. Há poucos anos, a consciência acadêmica sobre a relação ciência-sociedade era frágil. O cientista que aparecesse na mídia não raro era mal interpretado pelos pares por se dedicar a “perfumarias”. Mas, o cenário está mudando, tanto pela consciência social, humana e educacional que envolve a divulgação científica, quanto pela acentuada redução dos investimentos na academia. E a perspectiva não é das mais promissoras. Isso exige organização, planejamento e comunicação em todos os seus âmbitos: jornalismo, marketing, publicidade, relações públicas, design etc.

O cientista que tiver perfil, digamos, pop e for proativo na divulgação, ótimo! Mas, os pesquisadores menos midiáticos interessados em divulgar pesquisas, precisam ter à disposição setores estruturados nas instituições. Se a divulgação científica depender da boa vontade individual, ficará limitada ao amadorismo e ao suor sem grandes resultados. Este campo precisa ter peso institucional e no sistema de CT&I. Isso inclui reconhecimento, pontuação adequada no progresso da carreira e valorização nos editais de fomento à pesquisa, bem como nos processos seletivos para a docência. Nos Estados Unidos, por exemplo, o cientista que concede entrevistas na mídia tem mais “moral” para ter pesquisas financiadas.

Da mesma forma que a ciência precisa ser tema na sociedade, a divulgação científica precisa ser pauta na academia. Eu costumo dizer que a distância entre ciência e sociedade é proporcional à distância entre cientista e divulgador. Se o pesquisador e a cultura acadêmica não compreendem o valor de socializar a produção de CT&I, por que o cidadão reconheceria a importância do investimento em ciência?

Cedo ou tarde, a pandemia passa. E se nós não soubermos nos organizar, estar na imprensa, nas redes e trabalhar para que a informação científica se mantenha valorizada no mercado das notícias e das conversas cotidianas, perderemos o “espírito do tempo”. Já dizia Zeca: “camarão que dorme, a onda leva”.


Quem publicou esse artigo:

Jornal da Ciência/SBPC

Biblioteca do Cena/USP

Jornal O Hoje / GO

Saense




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