Meme, liberdade e filosofia



Um dia desses eu vi um meme engraçado e provocador no Instagram. Dizia a imagem: “não vejo a hora de ficar em casa por livre e espontânea vontade”, em referência à quarentena. Ou seja, é como se ficar em casa fosse bom, mas não forçosamente. Descanso é bom, mas quando e como queremos, sem imposições. Gostamos de nos programar e ser “livres”, mas … o que é liberdade? Você se acha livre?

Diversas correntes científicas nos ajudam a tentar entender o conceito de liberdade. Para uma linha biológica, a gente não age livremente porque somos frutos da genética, do DNA. As nossas predisposições, habilidades, gostos seriam “determinados” pelo evolucionismo. Já uma vertente psicanalítica nos diz que as nossas ações e decisões no âmbito consciente podem ser explicadas acessando o universo inconsciente. Aqui também não haveria a liberdade, pois continuo preso a fatores muito pouco conhecidos que norteiam a minha conduta.

Na Sociologia também encontramos teorias sobre a não liberdade. Para Durkheim, a sociedade precede o indivíduo. A gente herda valores, linguagens e condutas em geral já arraigadas. As minhas escolhas, os meus comportamentos, a maneira de pensar e interagir seriam consequências do meu universo social, das experiências contextuais. Por exemplo, há diferenças de hábitos entre estudantes de Sociologia, da Arte, Medicina, de não estudantes e por aí vai.

Mas, isso escapa ao nosso entendimento. Imaginamos a cultura como elemento “natural”. E, de fato, a cultura é quase que a nossa segunda pele. Foucault chama de ortopedização o processo social de esculpir o sujeito através de mecanismos que passam pela educação. Nós fazemos o que a sociedade nos “autoriza”, ou seremos punidos, inclusive, para dar exemplos de como não se comportar. O medo como fator de inibição.

Parece, então, que não desfrutamos de liberdade. Estamos presos a uma rede de causas e constrangimentos (biológicos, psicológicos, sociais etc.) que nos levam a agir assim ou assado. Espinosa diz que quem se acha livre desconhece a estrutura que nos envolve. Quem pensa ser livre, vive na ignorância.

Já Platão advoga que somos livres enquanto “alma”, essa sim, embora temporalmente aprisionada ao corpo, é instância autônoma e pensante não escrava das limitações terrenas, materiais e sensíveis.

O Existencialismo, do século XX, radicaliza a ideia de liberdade. Para Sartre, a existência vem antes da essência. Não vivo segundo a minha essência. É a minha experiência que forma quem eu sou. Não tenho identidade prévia. Ao contrário dos outros animais, o homem não tem “natureza”. Nesse sentido, somos rigorosamente livres para viver, decidir, explorar (seria Sartre um coach?). Depois, veremos quem realmente somos.

É um pensamento que nos emancipa, mas vem com um alto grau de responsabilidade. A escolha é um processo difícil, gera angústia. Quanto mais opções, mais dúvida e esforço cerebral. Quando alguém decide por nós, menos agonia, porque “não poderia ser de outro jeito”. Não preciso me responsabilizar por eventuais erros. É mais fácil seguir os padrões já socialmente legitimados.

Portanto, a liberdade não é o fluxo harmônico de energia e sentimentos, de horizontes satisfatórios. Ela pode limitar a felicidade. A liberdade nos prende, na medida em que assumimos as consequências de sermos gestores da própria existência.

Então, parece que o meme mencionado não contempla o Existencialismo, mas sim carrega elementos filosóficos que destacam a nossa condição de não liberdade. É como se a democracia precisasse do aval da não democracia.

Você concordando ou não, nessa disputa intelectual de gigantes do pensamento, é fundamental nos orientarmos pelo Oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. Mas, no fim das contas, se somos livres ou não, eu estou mais para o personagem Patropi: “sei lá, entende?!”.

Bruno Lara.


Onde o artigo foi publicado:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Artigo de opinião: Informação em tempo da Covid-19

Secretário da SBPC-RJ fala sobre o cenário científico e educacional do país

Indicação de artigo: Ciência, Senso Comum e Revoluções Científicas: Ressonâncias e Paradoxos

Noite desta sexta-feira terá chuva de meteoros