Pint of Science alcança 56 cidades e projeta crescimento


O Pint of Science é um festival de internacional de divulgação científica que compõe o calendário anual deste campo no Brasil desde 2015. Naquela ocasião, o evento estreou no país com apenas uma cidade participante, São Carlos-SP. Na edição de 2018, houve atividades em quase 60 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 14 e 16 de maio, com exceção de São Paulo, onde a agenda se estendeu por mais dois dias.

A característica do evento de origem inglesa é promover divulgação científica em linguagem descontraída em bares e restaurantes. Basicamente, cientistas falam sobre ciência enquanto os públicos assistem as aulas tomando um chopp, um refrigerante, jantando ou lanchando, por exemplo.

O blog Dissertação Sobre Divulgação Científica entrevistou a coordenadora nacional do evento para entender melhor o festival e como esse movimento tem ganhado força no Brasil. Natália Pasternak, Bióloga da Universidade de São Paulo (USP), falou sobre os desafios de realizar o Pint of Science, adiantou alguns dados sobre a edição de 2018 e a necessidade de ampliar a estrutura de equipe e serviços para o ano que vem, quando a programação deve atingir 90 cidades. Confira!



"Quando surge uma proposta como essa, em que se pratica linguagem científica de fácil acesso, divertida e em ambiente popular e descontraído, a prática viraliza. O Pint of Science consegue chegar até as pessoas, cumpre uma lacuna de uma demanda que existe na sociedade e deve ser suprida- Natália Pasternak, bióloga da USP.


Já é possível fazer um balanço de como foi o Pint of Science 2018?
Não dá para apresentar um balanço oficial porque a gente ainda está esperando os números das cidades, mas já percebemos que houve adesão de quase o país inteiro em termos de regiões. Houve bares e restaurante lotados, de Macapá a Porto alegre, com pessoas tendo que aguardar do lado de fora porque os lugares estavam esgotados. Manaus e Belém, por exemplo, são cidades que entraram esse ano, onde não há uma tradição do evento, mas que conseguiu atrair muita gente. O sucesso de público foi muito maior do que o previsto.

A que você atribui esse crescimento?
Há uma grande demanda social por informação sobre ciência, e não há suficiente quantidade de veículos e produções para atender ao interesse dos públicos. Há um anseio social reprimido por divulgação científica. Quando surge uma proposta como essa, em que se pratica linguagem científica de fácil acesso, divertida e em ambiente popular e descontraído, a prática viraliza. O Pint of Science consegue chegar até as pessoas, cumpre uma lacuna de uma demanda que existe na sociedade e deve ser suprida.

Como você observa o crescimento e o amadurecimento do Pint of Science no Brasil?
O crescimento é assustador. A gente começou em 2015 com uma cidade, em São Carlos-SP; em 2016 foi para 7 cidades; em 2017 foi para 22, e esse ano atingimos 56 cidades. Isso causa um impacto para a equipe de coordenação nacional, porque o festival é basicamente realizado por voluntários. A gente não dispõe de estrutura suficiente para atender o crescimento que o festival vem tendo ao longo desses anos. Para o ano que vem, nós vamos ter que reestruturar as equipes e os processos para abranger ainda mais localidades. A perspectiva é de ter, em 2019, cerca de 90 municípios brasileiros no Pint os Science.

Essa edição, a de 2018, foi de muito aprendizado. Coordenadores locais têm observado que os palestrantes estão com desempenho cada vez melhor para ensinar nos bares e restaurantes, que são espaços bem diferentes dos tradicionais congressos acadêmicos e das salas de aula das universidades, por exemplo. Eu acho que no futuro cabe treinamentos sobre como atender e palestrar nesse tipo de atividade. Hoje em dia, a estrutura baseada no voluntariado limita o esforço de treinamentos, por exemplo, para coordenadores de bares lidarem com polêmicas e controvérsias. E na medida em que o festival cresce, a tendência é a de que as polêmicas estejam cada vez mais presentes.


O Pint of Science é uma franquia?
É como se fosse uma franquia. Há uma central em Londres responsável por gerenciar as coordenações na Inglaterra e nos outros países. Algumas regras devem ser cumpridas, como haver pelo menos dois bares ou restaurantes por cidade. Não pode ser apenas um, pois tem que ser caracterizado como um festival, as pessoas têm que dispor de opções sobre o que assistir. Há, também, normas sobre a marca, a logo, regras de conduta em geral, até para haver uma padronização que caracterize um festival mundial. Só pode acontecer em bares e restaurantes.


Com o funciona a organização do evento, a estrutura, equipe, o planejamento...?
Para o ano que vem, por exemplo, a gente precisa aumentar a equipe nacional, que hoje conta só com quatro pessoas. Temos que reforçar o setor jurídico, porque atualmente não somos uma associação, não temos CNPJ. A gente precisa disso para conseguir receber patrocínio, o que será usado para arcar com a manutenção de parte da equipe. Um evento não tem como ser baseado em trabalho voluntário. É necessário pagar uma assessoria de imprensa, entre muitos outros serviços. Os diretores continuarão sendo voluntários, mas precisam ter gente trabalhando para eles durante grande parte do ano.

Sobre a questão de quando a gente começa a organizar o Pint of Science, a esfera nacional não para, é como o Carnaval. A gente não trabalha somente naqueles três dias. Já temos reunião marcada para essa semana, para pensarmos o festival de 2019. Claro que nos meses que antecedem o festival, a gente trabalha mais. Os coordenadores locais focam as suas atividades alguns meses antes, também, porque eles têm que escolher a equipe, locais, organizar a programação e indicar os palestrantes. Os nomes dos palestrantes, os temas e a programação devem ser aprovados por uma coordenação regional.  Depois disso, a gente publica no site e começa a divulgação.

Em geral, os palestrantes podem abordar qualquer área do conhecimento, desde que seja sobre ciência. Não abordamos temas controversos, como pseudociência e religião. Já as artes e as humanidades são aceitas.

É possível identificar características dos públicos?
Os números desse ano ainda não estão consolidados. No ano passado, a maior fatia do público tinha idade entre 25 e 35 anos, com 70% do público total ligado à academia, como graduandos, pós-graduandos, professores e pesquisadores. 30% era de público realmente leigo, sem vínculo profissional direto com a universidade. Isso foi em 2017. Eu estou bastante curiosa para saber os números de 2018, porque nesta edição a gente lançou uma campanha para que cada pessoa que fosse ao Pint of Science levasse um amigo não cientista.

É uma ideia para a gente popularizar mais a ciência, não ficar falando para nós mesmos. De qualquer forma, eu não achei um índice ruim os 30% de público leigo no ano passado, porque é natural que haja grande interesse dos cientistas em participar, prestigiar. Imagino que com o tempo a gente consiga chegar mais próximo dos não cientistas, e em escala maior também.

Há metas a serem batidas?
O nosso maior desafio é esse, aumentar a participação e o interesse do público realmente leigo. Porque a ideia do Pint of Science é popularizar a ciência.

Como o cientista interessado em dar palestra no evento e um comerciante interessado em ceder o estabelecimento para sediar atividades podem proceder?
A atribuição das escolhas é do coordenador local, que vai ao bar analisar a estrutura para saber se dispõe de condições para compor o Pint of Science. A mesma coisa em relação ao pesquisador que quer participar, basta procurar o coordenador da cidade e manifestar interesse, informando o tema de atuação. A equipe, então, vai avaliar e se a proposta atender à demanda, o coordenador vai formalizar um convite a esse cientista.

O Pint of Science tem uma marca forte, que é a divulgação científica praticada com o elemento de descontração, de informalidade. Você acha que esse é o caminho da divulgação científica, ou é um caminho completar da área?
É um dos caminhos. A divulgação científica é extremamente ampla. Colocar a ciência de forma descontraída em um ambiente de bar é uma estratégia que dá supercerto. A ciência se torna um programa, você pode ir com os amigos, namorada, namorado, pais, enfim... você vai tomar um chopp no bar e falar sobre ciência.

Mas, esse é um modelo entre outros. Há outras estratégias, como publicação de livros, revistas, visitações em museus, podcasts, blogs. Cada modelo tem características que vão atrair determinados públicos. Não acho que exista uma única fórmula de sucesso da divulgação científica.

Nos primeiros anos, as atividades do Pint of Science ficaram concentradas nas regiões Sul e Sudeste. Como o festival pretende fomentar a realização do evento em outras partes do país?
Essa concentração está relacionada à sede das grandes universidades do país e dos grandes centros de pesquisa. O estado de São Paulo sempre terá o maior número de cidades que aderem ao Pint of Science. São coisas naturais, não é uma escolha do festival. Mas, claro, temos a preocupação de expandir a nossa estrutura para locais com pouco acesso à divulgação científica. Esse ano, cresceu bastante a participação do Nordeste, e queremos aumentar cada vez mais. Foi fantástico, também, a adesão do Norte, onde cinco cidades compuseram o evento. Muita gente não sabe, mas há grandes e importantes centros de pesquisa no Norte.

O Pint of Science é restrito a alguns dias do ano. O que você sugere e destaca para o público acessar e consumir informações sobre divulgação científica ao longo do ano?
Essa área ainda é carente. Qualquer produto que surgir será ótimo, seja livro, museu, revista, podcast, vídeo no Youtube. Para tudo vai haver público, porque existe uma carência da população. O modelo do Pint of Science não é uma invenção da roda. Há vários filhotes do Pint que funcionam o ano todo, e a gente apoia essas iniciativas, desde que não use o nome e a marca, porque pertence a uma entidade. Mas, ideia pode ser usada livremente.

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