Um mergulho desorientado na... “crise” - artigo de opinião


Bruno Lara

Quando criança, eu percebi a “banalização” do emprego do termo crise. Naquela época, percebi através dos noticiários de futebol, que constantemente se referiam a determinados clubes como envoltos em crises (com exceção do Flamengo que sempre esteve perfeitamente bem). Crescendo e me interessando mais por política, cultura e pelas humanidades em geral, percebi a presença da danada crise também nas editorias de política, economia, nos discursos sobre as condutas morais, familiares, na escola e educação, enfim... crise, crise e por aí vai. A crise teria se “democratizado”, talvez antes mesmo da própria democracia.

Os noticiários refletem muito bem a sensação deste “momento conturbado”. Recentemente, 17 prêmios Nobel adiantaram em dois minutos o Relógio do Apocalipse, citando, por exemplo, a péssima exploração dos recursos naturais e os riscos da energia nuclear, esta última já não desfruta da mesma visibilidade como nos anos 1980 (pelo menos agora).

Pois bem, o termo crise remete ao latim crisis e ao grego krisis, que nos encaminha para significados tais como julgamento, seleção, (de) cisão, separação, momento de mudança súbita. Trazendo para o nosso Português cotidiano, a crise seria um ponto em que teríamos que, após refletir e analisar, tomar uma decisão para superar os incômodos e ameaçadores problemas. Há uma situação confusa, desorganizada, e a tarefa humana e da sociedade seria trabalhar para restabelecer a harmonia. 

A história guarda inúmeros exemplos de rupturas em meio a crises sociais. Períodos como este são pertinentes, portanto, para a emergência de discursos alternativos, seja para o bem ou não. Foi de um cenário turbulento em Atenas que surgiu o epicurismo na Grécia. Foi do caos e da desesperança que imperavam na República de Weimar que aflorou o nazismo alemão, por exemplo. 

Se crise nos insere em um momento crucial de decisão, a maturidade, a capacidade de discernimento e os pensamentos estratégicos precisam estar presentes nessa reflexão que antecede (ou deveriam anteceder) as tomadas de decisão. Será, porém, que nós, enquanto atores sociais amplamente representados, desfrutamos de tais competências? E os sujeitos (com poderes de representação) cujas ações de fato surtem efeitos que movem a vida e as estruturas sociais, estão eles comprometidos com projetos de (equilibrados) desenvolvimento e progresso coletivos?

Enquanto em regimes fechados as pessoas pouco têm consciência (ou nenhuma) do próprio posicionamento e do contexto no qual estão imersos, regimes mais liberais também podem nos deixar desorientados. Com “excesso” de informações, de discursos, canais de comunicação, proliferação de vozes, reforços e híbridos de identidade, constante formação de grupos e associações para projetar os aglomerados de afinidades etc., com o acirramento dos debates e conflitos, ficam dúvidas diversas, como: com quem “está a verdade”?; em quem confiar?; o que é ser ético, e para onde caminha a minha ética, ou para onde ela me leva?; qual seria o grau de “realidade” entre os bastidores do poder e conteúdos informativos que absorvemos e ajudamos a construir e propagar? Nesse sentido, como diz Zygmunt Bauman, estamos mesmo na liquidez? Estaríamos perdidos em um fluxo intensificado da transitoriedade heraclitoniana? 

Por um lado, é gostoso desfrutar dos louros do progresso material e capitalista, a sua esfera otimista, alegre e robusta, seus produtos e serviços. Por outro lado, amargamos e suportamos diariamente as consequências do mal planejamento (talvez omissão intencional), como trânsitos absurdos nas médias e grandes cidades, a feroz sobreposição da civilização e do homem (pós-) moderno em relação à nossa cansada mãe natureza, o empobrecimento moral e ético do homem e suas relações, enfim... a “crise”.

No entanto, seria muito importante que, para surgir soluções e ideias inovadoras (ou mesmo nem tão inovadoras assim) a partir do conjunto social e humano, houvesse a superação de superficiais e oportunistas divisões (alguém falou nos principais partidos políticos brasileiros e na sede de poder– algo bem nietzschiano?). Isso é muito dificultado pelas perspectivas individualistas e as esperanças particulares de que os próprios projetos consigam aproveitar as segregações e se realizar em meio a insucessos e “caos” da coletividade, do público. 

E se não estamos no espaço-tempo de uma virada súbita, se não estivermos lúcidos para compreender o que vivemos, para tomar decisões, talvez não possamos falar, ainda, que estamos na crise – felizmente ou infelizmente. Porém, os tardios amadurecimento e competências para lidar com os desequilíbrios e eventuais futuros hostis podem ser inúteis quando forças e movimentos aquém da nossa possibilidade de controle “decidir agir autonomamente” (se é que somos dotados de real poder de controle).

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