Artigo: As manifestações e o “elemento-surpresa”

Bruno Lara

Uma dúvida paira no ar: a efervescência política continuará cozinhando o sistema representativo brasileiro, ou a lei da gravidade política vai atrair de volta a sociedade ao “estado normal”. Após o mar de gente nas ruas em junho, no que ficou conhecida como a Revolta do Vinagre, a onda recuou numericamente, com as pessoas agora acompanhando os desdobramentos no sofá de casa, ou pelas telas do computador. Há, porém, grupos resistentes mantendo vigorosas muitas e difusas pautas de revindicações que caracterizam, de certa forma, a crise do modelo democrático no país e o distanciamento entre quem concede o poder público e a quem é temporariamente concedido - motivo pelo qual a vontade de participação direta tem sido enaltecida.

Ainda não é possível verificar as reais consequências dos protestos, se seremos atendidos. Houve um corre-corre para evitar que a situação saísse do controle (e chegou a sair) e as instituições perdessem legitimidade (uma hipótese bem menos provável, aparentemente). Não só governos e partidos foram hostilizados, mas também a grande imprensa e os símbolos do capital financeiro. Para conter os ânimos, diversas ações foram realizadas, mas reformas estruturais ainda devem estar concretamente no horizonte, pois corre-se o risco até mesmo de os temas se limitarem a alimentar as mesas de debates intelectuais de homens que fumam charuto Cohiba Behike e usam chapéu Panamá.

Há muitos acadêmicos se perguntando o que foi e é isso: um pássaro? Um avião? Um povo revoltado? Alguns deles dizem que só daqui a algumas décadas teremos condições de avaliar com serenidade a real situação. Porém, pelos discursos atuais, por fatos passados no Brasil (Diretas já e os caras-pintadas) e experiências recentes de outros países (como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos, e os Indignados, na Espanha), não há uma pluralidade de opiniões tão variadas e originais assim que apontem para um cenário muito diverso das recentes análises. As declarações de determinados especialistas - ricas, diga-se de passagem - costumam ser complementares (com um pouco de divergências entre esquerdistas e liberais).

As dúvidas tendem para um apelo em prol de ações práticas, envolvendo conceitos de respeito, qualidade de vida, saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, moralidade política etc. Qual o nosso futuro? E o da democracia? Como facilitar canais de mediação para promover interações entre as narrativas sociais e com o próprio governo, incluindo a articulação entre as ideias de esquerda e direita, e suas variações (segundo Castells, o Brasil foi o único país a chamar os movimentos sociais para o diálogo)? Como transformar o mal-estar da sociedade contemporânea, no caso das grandes e médias cidades brasileiras, com a construção de um cenário digno de vida e existência? Falta projeto? Liderança? Competência? Boa vontade? Estrutura? Há excesso de tradição?

Do ponto de vista partidário, as respostas talvez sejam debatidas com certa intensidade num prazo menor, com a busca de soluções nos próximos meses, considerando o calendário eleitoral. Aí entra o marketing político para reposicionar imagens dentro de um tempo relativamente reduzido. Em geral, as crises têm um tempo perante a opinião pública. O político habilidoso que souber ultrapassá-lo consegue, embora com a imagem arranhada (ou até rasgada), manter-se em pé. No entanto, em 2014 há outro fator decisivo: a Copa do Mundo, durante a qual as ruas devem lotar novamente. E, imagino eu, se o Brasil deixar passar o hexa, vai ter manifestante-torcedor protestando nas urnas também! Mais do que nunca Felipão e Neymar são símbolos políticos, colarinhos brancos de chuteira!

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