Entrevista com a diretora da DiCYT, agência ibero-americana de notícias sobre C,T&I

A realidade contemporânea da globalização e, ao mesmo tempo, do fortalecimento entre blocos regionais e de interesses também reflete na dinâmica da divulgação científica. Um exemplo dessa tendência é a Agência Ibero-Americana para a Difusão da Ciência e Tecnologia (DiCYT), iniciativa da Universidade de Salamanca, da Espanha, constituída por uma rede de instituições oriundas de diversos países com o propósito colaborativo de transparência e democratização da C,T&I.

O blog Dissertação Sobre Divulgação Científica entrevistou a diretora da Agência, Ana Victoria Pérez Rodríguez, 33 anos, que também está a frente do Centro de Estudos da Ciência, Cultura Científica e Inovação (Fundação 3CIN), uma entidade espanhola privada sem fins lucrativos que objetiva apoiar ações e projetos de pesquisa na área. Graduada em Ciência da Informação, especialista em Comunicação Pública da Ciência e mestre em Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, ela é uma das organizadoras da Feira Empírika, evento itinerante bienal, que em 2012 ocorreu no Estado de São Paulo.

Ana Victoria já visitou o Brasil duas vezes, tendo conhecido as cidades de Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu. Ela observou uma configuração nacional marcada tanto pelas disparidades sociais quanto pelos recentes progressos. A diretora destaca o esforço em prol da educação e as indicações de melhora na qualidade de vida da população.

Entrevista
Que avaliação você faz dos cinco anos da agência de notícias do DiCYT?
Ana Victoria: A experiência tem demonstrado que o projeto vai muito longe. A consolidação de uma rede desse porte requer planejamento e esforço pela equipe inteira, de forma generaliza e sustentada. A DICYT está na fase de amadurecimento e expansão. Já conseguiu reunir 192 instituições ibero-americanas, de uma forma ou de outra envolvidas na produção e disseminação de conhecimento. São universidades, centros de pesquisa, agências de investimentos etc. Dessas, 98 publicam regularmente informações sobre avanços científicos, programas de pesquisa ou iniciativas de transferência tecnológica, por exemplo. As colaborações refletem no volume do nosso banco de dados, que já possui cerca de 28 mil informações. Por dia, o nosso site recebe aproximadamente 3.800 visitas. O Brasil, o México, a Colômbia e a Argentina são alguns dos países mais ativos.

Quais os objetivos a plataforma ainda pretende conquistar?
Ana Victoria: Temos a consciência de que precisamos evoluir continuamente para nos adaptarmos aos novos contextos dos parceiros e leitores. Só assim poderemos cumprir os objetivos originais do projeto, ou seja, converter a Agência DiCYT em um espaço virtual de referência para a divulgação científica, tecnológica e cultural, em espanhol e em português, assim como em uma ferramenta para fortalecer a promoção e a dinamização do sistema científico ibero-americano.

Nesse sentido, o próximo passo é uma parceria com a Comissão Coordenadora do Espaço Ibero-Americano de Conhecimento, ao integrar as informações publicadas em ambos os sites, reforçando a visibilidade dos projetos.

Qual o espaço da divulgação científica no sistema de C&T espanhol? Há investimentos e recursos suficientes?
Ana Victoria: Nos últimos seis anos, houve muitos avanços. O sistema tem cumprido adequadamente a tarefa de expor os seus resultados para a sociedade, tanto em relação ao processo de transferência do conhecimento acadêmico ao setor produtivo, quanto na perspectiva da alfabetização científica em si, aumentando a quantidade e a qualidade das ações e das informações disponíveis.

Esse processo, no entanto, foi afetado por cortes econômicos, devido à crise mundial. O fator positivo é que, apesar das contenções, os programas foram mantidos, em vez de serem suprimidos, o que seria um grande prejuízo.

Como você observa o futuro da ciência na Espanha? A população apoia o sistema de C,T&I?
Ana Victória: O modelo de C,T&I espanhol é fundamentalmente baseado em investimentos públicos, e, devido à crise, tem sido bastante prejudicado. Embora a sociedade espanhola reconheça o valor e a importância das pesquisas científicas, outras questões acabam sendo consideradas mais emergenciais, como saúde, educação, habitação e até mesmo alimentação, dependendo da classe social.

Qual a visão que a Espanha possui da ciência brasileira?
Ana Victoria: A opinião típica de alguns setores da nossa comunidade acadêmica, particularmente, é bastante positiva em relação aos progressos conquistados pelo Brasil na última década, principalmente em aspectos sociais. Por outro lado, sabemos que muito ainda precisa evoluir, pois há consideráveis parcelas da população brasileira sem acesso às oportunidades oferecidas pela ciência.

Há diferenças significativas entre a divulgação científica da Espanha e a do Brasil?
Ana Victoria: Não percebo marcantes desníveis entre a DCT praticada nos países ibero-americanos. A divulgação espanhola e a brasileira compartilham inquietudes e formas de trabalho. O papel dos centros de pesquisa é decisivo na divulgação científica, e, nesse sentido, creio que a DCT é mais presente no cotidiano de organizações do ensino superior na América do Sul e na América Central do que na Espanha e em Portugal, essencialmente porque as necessidades sociais também são mais expostas naqueles territórios continentais.

Em momentos pontuais da história da Argentina, Equador, Nicarágua e Brasil, para citar alguns exemplos, são as universidades que atuam efetivamente para suprir demandas oriundas de determinados setores da população, que acabam sofrendo pela ausência do Estado em si. Por isso, muitos cientistas dessa região são mais sensíveis a aspectos sociais do que na Espanha.


O Brasil, através da Universidade de Campinas (Unicamp), é parceira da Universidade de Salamanca na realização da Feira Empirika de C,T&I. Há outros projetos ou possibilidades de colaboração entre os dois países?
Ana Victoria: A parceria com a Unicamp, através do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), com apoio do Centro Paula Souza, tem sido importante para fortalecer a cultura científica na América Latina. A Empirika é um exemplo do sucesso colaborativo, permitindo o lançamento de programas, como a Agenda Cidadã da Ciência e Tecnologia para a Ibero-América, entre outros. Cabe destacar, também, a criação de ações, pela Universidade de Salamanca e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para a captação de recursos em prol de pesquisas. Tais medidas são apenas o começo e já apontam para horizontes bem promissores.

O presente cenário é propício para a DCT explorar que tipo de temas?
Ana Victoria: Pessoalmente, creio que a tendência é a de destaque de áreas altamente interdisciplinares, como a de novos materiais, a robótica, a neurobiologia e a genética. Também, é importante focar nos segmentos de novas fontes de energia.

Como devemos interpretar o conceito de inovação?
Ana Victoria: Esse é um tópico bastante complexo que envolve muitas variantes científicas e sociais, para o qual não há uma fórmula mágica que garanta o êxito. Posso, sim, me assegurar sobre a possibilidade de intervenção e contribuição da divulgação científica em estimular a circulação do conhecimento, a partir do qual as pessoas assumem uma formação capaz de compreender e usufruir os benefícios derivados das pesquisas acadêmicas.

Quais são as suas motivações para trabalhar na divulgação científica, como você ingressou nesse campo?
Ana Victoria: Durante a minha especialização, percebi duas coisas. A primeira é que eu adorava aprender algo novo todos os dias, o que o jornalismo político ou o esportivo não me permitiria. O outro aprendizado foi através de uma entrevista com o cientista e divulgador Paul Nurse, Prêmio Nobel de medicina, que me incentivou a seguir a carreira. Ele disse que seria um caminho promissor e de muitas descobertas... e aqui estou!


Veículos que publicaram a entrevista:

Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília (FCI/UnB)
Jornal da Ciência
Ana Victoria Pérez, diretora da DiCYT, fala sobre a área de CT&I

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