Diretor do IMPA fala sobre a matemática na divulgação científica

Foto: Agência Brasil
O Brasil já conhece a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), competição criada em 2005 e que envolve quase 20 milhões de estudantes em todo o país, abrangendo praticamente 100% dos 5.564 municípios. 

Provavelmente, essa é a iniciativa mais conhecida do pesquisador César Camacho, diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), que em entrevista ao blog Dissertação Sobre Divulgação Científica  fala sobre a própria carreira, assuntos relacionados ao sistema de ciência, tecnologia e inovação e o envolvimento dele com a divulgação científica, incluindo o projeto de criação de um museu da matemática no Rio de Janeiro.

Entrevistado: breve perfil
O matemático César Leopoldo Camacho é graduado pela Universidad Nacional de Ingenieria, em Lima, no Peru, onde nasceu em abril de 1943. Filho de pai mecânico e mãe dona de casa, ele chegou ao Brasil na década de 1960, para fazer especialização na Universidade de Brasília (UnB). Porém, os anos conturbados da ditadura motivaram a saída de muitos docentes da instituição, o que levou o então pós-graduando Camacho ao mestrado do IMPA, concluído em 1966, cinco anos antes do doutorado, na Universidade da Califórnia, Estados Unidos.

De volta ao Brasil, ele se tornou membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidiu por dois mandatos a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), entre outras atividades. Os anos no país despertaram nele um sentimento de cidadão brasileiro, até mesmo porque esta é a nacionalidade da esposa e dos dois filhos de César Camacho – que se não optasse pela ciência, poderia, quem sabe, ser jogador de futebol, esporte que praticou na divisão de base de um clube do país andino. 

Contou muito nesse processo de integração, a naturalidade com que os brasileiros me tratam, o que me leva a concordar com a definição de um matemático iraniano bem acolhido ao Brasil: ‘na prática, brasileiro é todo aquele que fala bem o português’”, disse Camacho.

Confira a entrevista

Como a divulgação científica faz parte da sua carreira?
Camacho: Bem, a minha vida profissional é pautada, basicamente, pela pesquisa em matemática. É o que eu faço. Porém, tenho algumas iniciativas de divulgação da ciência, entre elas a OBMEP, cuja repercussão e o êxito dos objetivos têm sido extraordinários, pois vemos muitos dos alunos inscritos na Olimpíada ingressarem na universidade e obterem sucesso em suas especialidades. A proposta é melhorar o ensino da matemática nas escolas e apresentar à sociedade a importância fundamental deste saber em nosso cotidiano.

Os melhores colocados são contemplados pelo nosso programa de iniciação científica, com a duração de um ano. Também desenvolvemos uma coleção de livros elaborados por destacados matemáticos, com o propósito de contribuir, principalmente, aos estudantes dos ensinos fundamental e médio. Além disso, buscamos reforçar a OBMEP e a educação pública através dos Polos Olímpicos de Treinamento Ostensivo (POTI), que oferecem cursos gratuitos aos alunos.

O IMPA está desenvolvendo com o Serviço Social da Indústria (Sesi) a criação de um museu da matemática. Como está o andamento do trabalho?
Camacho: A Casa Sesi de Matemática ficará na Barra da Tijuca em um prédio de 6 mil m², dos quais metade será dedicada à exposição. A data da inauguração, porém, será definida adiante, em momento oportuno.

A iniciativa é inédita e importante para o Brasil, porque no mundo há pouquíssimos centros de exposição de matemática. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, só em dezembro de 2012 inaugurou um museu com essa proposta (o The National Museum of Mathematics). Pretendemos criar no visitante a sensação de interiorização da importância desta disciplina, a contribuição oferecida à humanidade e a história do campo.

Dos seus artigos publicados sobre a divulgação da C&T, quais tópicos se destacam?
Camacho: São vários, sempre procurando apresentar a disciplina de forma elementar para um público com poucos conhecimentos técnicos. Em geral, exponho a relação entre a matemática e o mundo moderno e também os aspectos históricos.

O que o estimulou a realizar atividades de DCT?
Camacho: A consciência da relevância da divulgação é cada vez mais forte nas instituições, eu diria quase uma obrigação. O nosso conselho de administração nos recomenda essa prática. Inexiste um setor estruturado de comunicação no IMPA, mas recentemente contratamos um assessor externo para nos auxiliar.

Por outro lado, mesmo que o pesquisador queira se dedicar mais à divulgação, ele esbarra na falta tempo, principalmente aquele com o propósito de atingir uma dimensão internacional. A atividade de pesquisa é muito intensa, mas há projetos interessantes, como editais da Faperj, que estimulam o cientista a proferir palestras em escolas, e os resultados são bem positivos.

Divulgar a matemática é mais complicado do que outras disciplinas?
Camacho: É, sim, porque a matemática guarda um estigma de que é um ramo muito complexo. Essa distorção acompanha as pessoas desde pequenas, ainda nos primeiros anos da escola. Porém, a dificuldade reside no fato de que esta disciplina é sequencial, ou seja, os aprendizados ocorrem passo a passo e de forma interligada. Se durante os anos de escola um professor falhar no processo educacional ou mesmo o aluno se dispersar, este encontrará, no ano seguinte, sérios obstáculos para acompanhar o raciocínio.

Como é a sua interação com os jornalistas?
Camacho: Hoje em dia, eles me procuram muito mais do que há cinco anos, e o relacionamento é ótimo! Esse contato tem a ver com o aumento das iniciativas da DCT. 

Atualmente, há a figura do jornalista científico, que tem um preparo inicial e consegue compreender melhor os conteúdos da C,T&I. No geral, as reportagens são fiéis aos fatos, mas, às vezes, ao ler os materiais penso que eu faria um pouco diferente da maneira publicada, daria mais peso em determinados aspectos, menos em outros. Mas, isso é só um detalhe, uma questão pessoal. Geralmente, os conteúdos são bastante satisfatórios e até excelentes.

Felizmente, nunca sofri um grande equívoco, como a transmissão distorcida de uma ideia. Por outro lado, já presenciei situações desnecessárias, como um divulgador buscar no exterior um matemático como fonte de uma matéria, sendo que no Brasil há profissionais muito bem qualificados, de grande reputação.

Então, resistência é um termo já desgastado nessa relação entre divulgador e pesquisador...
Camacho: Entendo jamais ter havido resistência ou desconfiança, mas sim falta de oportunidades, o que mantinha cientistas e jornalistas mais distantes. Hoje, essa relação é outra porque o jornalismo está mais especializado em ciência, conhece mais o sistema e as instituições do meio, bem como a relevância delas para o desenvolvimento nacional. O museu a ser criado e as olimpíadas, por exemplo, chamam a atenção da mídia e da sociedade para a C,T&I.


Quais veículos mais o procuram?
Camacho: A grande mídia é mais presente do que o jornalismo especializado. O IMPA costuma ser citado, por exemplo, na revista Veja, no jornal Folha de São Paulo e no Jornal Nacional. Há poucos meses, o JN exibiu uma reportagem sobre o impacto da OBMEP no interior da Paraíba, onde o esforço de uma professora contribuiu muito para a escola conquistar dez medalhas na Olimpíada. É o exemplo da profundidade social alcançada pelo Instituto.

Como a formação do jornalista interfere nessa interação?
Camacho: Particularmente, prefiro lidar com o profissional mais especializado e preparado, com conhecimentos mais maduros e sólidos. Este perfil gera mais proximidade e confiança, pois permite ao jornalista nos entender melhor, mesmo que superficialmente. Tenho percebido até mesmo a existência profissionais formados em campos científicos atuando na imprensa, o que facilita o processo.

Quais habilidades o divulgador precisa possuir?
Camacho: Além de uma boa penetração na imprensa, um conhecimento do sistema acadêmico, de como funciona o meio.

Por que o senhor escolheu a matemática como carreira?
Camacho: Primeiro, pelo prazer de estudar e pesquisar a disciplina. Depois, desde pequeno percebi que poderia ser bem-sucedido na área.

Qual é a realidade da matemática brasileira?
Camacho: A matemática nacional é evoluída e muito bem situada em âmbito mundial. A principal organização internacional da matemática (União Internacional de Matemática - da qual fez parte César Camacho) classifica cinco grupos de países, de acordo com o desenvolvimento de cada um no campo. O Brasil está no grupo 4 (o grupo 5 é o mais elevado), no qual somos a única nação latino-americana, a um passo de estar entre as melhores do mundo. Aliás, a ciência brasileira como um todo é muito bem posicionada, resultado que é fruto de décadas de esforços.

Porém, em contraste, o aprendizado da ciência é muito ineficiente... um paradoxo lamentável. E, portanto, um dos principais objetivos da olimpíada de matemática é fomentar a qualidade do ensino nas escolas públicas.

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