Direto ao ponto: acesso livre e repositórios institucionais
Direto ao ponto: acesso livre e repositórios institucionais
Dos Estados Unidos à Europa, os governos estão discutindo a
questão do acesso livre (Open Access) à informação científica, em uma clara
política que visa a romper o monopólio das editoras científicas comerciais.
Para se ter uma ideia do envolvimento da Fiocruz com a
questão do acesso livre à informação científica, a Fundação tem o seu
repositório institucional, o ARCA,
que foi desenvolvido para reunir, disseminar e preservar a produção
técnico-científica da Fiocruz, e que representa parte significativa do esforço
da pesquisa pública em saúde no Brasil.
O ARCA também integra o movimento internacional pelo livre
acesso à informação. A unidade responsável pelo repositório é o Icict que,
inclusive, neste ano, abriu inscrições para o curso de especialização lato
sensuem Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICTS/Icict/Fiocruz), com
o tema “Repositórios Institucionais”, enfocando quatro eixos: acesso,
organização, comunicação e usos, e aplicações da informação científica e
tecnológica.
Segundo Hélio Kuramoto, pesquisador do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia, Ibict em
seu “Blog do Kuramoto”, citando o
blog de Eloy Rodrigues,
da Universidade do Minho (Portugal), o mês de fevereiro foi animador para
aqueles que lutam pelo livre acesso. Rodrigues fez uma cronologia dos
principais acontecimentos (leia aqui).
Falando nisso...
E no Brasil, como anda essa questão dos repositórios
institucionais e do livre acesso? Nossa equipe ouviu a vice-diretora de
Informação e Comunicação, coordenadora do Curso de Informação Científica e
Tecnológica em Saúde (ICTS) e pesquisadora do Icict, Cristina Guimarães, e o
pesquisador em Ciência da Informação, funcionário do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação – MCTI, atualmente lotado no Ibict, Helio Kuramoto
sobre o tema.
• Qual o impacto das medidas adotadas tanto nos EUA
quanto na Europa em relação ao livre acesso às pesquisas realizadas com verba
pública?
Cristina Guimarães - Especialmente nos países
ocidentais, um número crescente de financiadores de pesquisa coloca como
requisito da subvenção o depósito dos resultados da pesquisa em repositório de
acesso aberto. Quando não mandatórios, os financiadores “encorajam fortemente”
que o depósito seja feito. Alguns números dão conta desse impacto, somente no
campo das ciências da saúde: o US PubMed Central (PMC), repositório mantido
pela National Institutes of Health (NIH),
dos EUA, disponibiliza hoje mais de 2,5 milhões de artigos em texto completo.
Na Europa, o Europe PMC, lançado em
novembro de 2012, conta com mais de dois milhões de artigos científicos. É
importante lembrar de uma forma complementar de financiar o livre acesso,
quando os financiadores disponibilizam fundos adicionais para custear a
publicação do artigo em uma revista de acesso aberto.
Helio Kuramoto - Nos EUA, desde 2007, quando foi
aprovada uma lei específica ao NIH - National Institutes of Health,
tornou-se obrigatório a todos os pesquisadores, financiados por aquela agência
de fomento, o depósito de seus artigos publicados em revistas científicas no
repositório PubMed Central,
que hoje conta com cerca de 2,6 milhões de artigos depositados. Este número
mostra o benefício que a referida medida trouxe não apenas aos pesquisadores
americanos, mas de todo o mundo, inclusive, os profissionais, como os médicos.
Há dois anos, tive a oportunidade de comprovar isso ao fazer uma consulta com
um médico urologista, em Brasília. Perguntei a ele como fazia para se manter
atualizado e ele me surpreendeu, dizendo que consultava regularmente o PubMed
Central. Esta foi a melhor prova dos benefícios que essa medida trouxe não
apenas aos pesquisadores americanos, mas a todos os profissionais no mundo.
Em seguida, mais recentemente, no final do mês de fevereiro desse ano, o
governo americano tomou a decisão, por meio de um memorandum,
no qual foi estendido a todas as agências americanas de fomento, iniciativas
aderentes ao Open Access. Ou seja, espera-se que em breve todas as
agências americanas de fomento sigam o exemplo do NIH. E, futuramente,
poderemos ter um acesso mais amplo à informação científica.
Da mesma forma, na Europa, vem se desenvolvendo projetos aderentes às
iniciativas OA e, em meados do mês de fevereiro, houve uma evento em Portugal
para se discutir o desenvolvimento desses projetos, o OpenAIRE e o MedOAnet,
conforme se pode ver no link: http://openaccess.sdum.uminho.pt/?page_id=1791
Enfim, o impacto que esses projetos e iniciativas trarão é maior visibilidade
da produção científica desenvolvida nesses países, pois, ao contrário do que
ocorre com as publicações científicas onde apenas os seus assinantes têm acesso,
uma comunidade maior de pessoas terá acesso aos resultados das pesquisas
ocorridas nesses países.
• Caso essas medidas fossem adotadas no Brasil, que
benefícios trariam à ciência brasileira?
CG - O primeiro e mais importante é a visibilidade (das
pesquisas, dos pesquisadores, das instituições), etapa fundamental para o
círculo virtuoso da ciência e da inovação. A visibilidade e o livre acesso à
produção científica nacional também devem ser pensados em seu papel fundamental
para a educação científica e a educação em saúde (health literacy), subsídios
importantes para a governança da ciência e o controle social.
HK - Caso essas medidas fossem adotadas no Brasil, as
pesquisas brasileiras ganhariam maior visibilidade, assim como os nossos
pesquisadores e as nossas instituições de ensino e pesquisa. Além disso, o
Brasil certamente obteria maiores oportunidades de cooperação técnica com
outros centros mais desenvolvidos.
Não apenas o País, como um todo, mas, principalmente, os pesquisadores
ganhariam maiores oportunidades de interação com outros pesquisadores de outras
nações e, obviamente, proporcionariam maior progresso científico ao nosso País.
Mais do que isso, com certeza, toda a população brasileira poderia usufruir os
resultados dessas pesquisas e ter uma saúde melhor, e melhores condições de
vida.
• Você acredita que há uma valorização dos
pesquisadores e cientistas brasileiros em relação à publicação de seus estudos
junto às editoras científicas em detrimento do uso dos repositórios
institucionais?
CG - A resposta a essa pergunta não passa
exclusivamente pela análise do comportamento ou das preferências do pesquisador.
Inúmeros elementos se interpõem que vão desde as características da área do
conhecimento (maturidade, dinâmica de crescimento, caráter nacional ou
internacional, dentre outros) até a política de avaliação da ciência em prática
no país. Para além dessas questões políticas e conceituais, os repositórios
devem ser pensados como uma estratégia adicional de publicação, e não
competitiva aos periódicos científicos.
HK - O fato de os pesquisadores brasileiros publicarem
em uma revista científica comercial, obviamente, provoca uma valorização desses
pesquisadores junto àquelas revistas. Mas, o fato do pesquisador brasileiro
depositar os seus artigos em um repositório digital não o denigre ou o
desvaloriza junto aos editores científicos. Aliás, o fato de o pesquisador
brasileiro não depositar a sua produção científica em nenhum repositório de
acesso livre, só prejudica a ele próprio, pois ele deixa de dar maior
visibilidade à sua produção científica e, com isto, certamente, os próprios
editores científicos também deixam de ganhar, pois, da mesma forma, as suas
revistas deixam de ter a visibilidade que teria se um artigo de seu periódico
estivesse presente em um repositório digital.
• O que falta, no Brasil, para que o livre acesso seja
implantado em todos os institutos de pesquisa e demais órgãos que realizam
pesquisas científicas?
CG - Há que se ter uma ampla discussão sobre o tema,
envolver pesquisadores, gestores, políticos e a sociedade civil. Nos países
onde a política se estabeleceu, ela o fez como resultado de muita discussão, de
muita pressão pública. Se a função social da ciência prevalecer, ou seja, se o
papel da ciência é estar a serviço da sociedade, o livre acesso à literatura se
impõe. Cabe às políticas desenhar o melhor caminho para que isso seja alcançado.
A Fiocruz já assumiu esse compromisso e colocou em curso a elaboração a
Política de Acesso Livre a produção técnico-científica da instituição, por meio
do repositório institucional ARCA.
HK - Desde 2007, a Câmara dos Deputados vinha
discutindo o Projeto de Lei (PL) 1120/2007, o qual propunha a obrigatoriedade
de todas as universidades e centros de pesquisa ter os seus repositórios
institucionais, e que tornasse obrigatório aos seus pesquisadores o depósito de
seus artigos publicados em revistas científicas. No entanto, este PL, após
praticamente quatro anos de discussão, foi arquivado em janeiro de 2011, devido
à mudança na legislatura.
Em seguida, articulamos com o atual senador da República, Rodrigo Rollemberg, o
mesmo que submeteu o PL 1120/2007, a submissão de um projeto similar no Senado
Federal. Então, desde 2011, o PLS 387/2011 está
em discussão. Tal projeto continua praticamente parado na Comissão de Ciência,
Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101006).
O relator é o senador Cristovam Buarque.
Evidentemente, não haveria necessidade desse projeto se o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o MEC – Ministério da Educação se
organizassem e publicassem medidas, tornando obrigatório a todas as
universidades e institutos de pesquisa públicos a implantação dos seus
respectivos repositórios, e obrigassem os pesquisadores dessas organizações a
depositarem a sua produção científica. No entanto, isso é uma coisa difícil de
se alcançar, pois hoje a Capes tem o seu portal de periódicos e, portanto, a
implantação dos repositórios seria uma medida que viria em direção oposta ao
Portal da Capes. Existem aí interesses que não me cabe discutir. Mas,
certamente, a implantação das medidas necessárias para o estabelecimento de
repositórios digitais seria muito mais barato que a manutenção do referido
portal, que custa aos cofres públicos mais de US$ 80 milhões. O custo de
implantação de repositórios digitais é muito mais barato do que esse montante
gasto pela Capes. Trata-se de matéria de interesse público.
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