Entrevista: Guia prático orienta universidades e institutos a fazerem divulgação científica

A pandemia do novo coronavírus lançou a ciência a um protagonismo na opinião pública poucas vezes vivenciado na história do Brasil. Consequentemente, o debate também incorporou a importância da divulgação científica como meio para esclarecer e orientar a sociedade sobre saúde pública, entre outros temas sociais, políticos e acadêmicos.

Porém, muitos centros de ensino e pesquisa foram pegos de surpresa, sem estrutura para organizar e disponibilizar à imprensa e ao grande público informações científicas de forma clara, confiável e rápida. Nem todas as instituições da área dispõem de cultura e condições de promover divulgação científica em quantidade e qualidade necessárias, ainda que haja boa vontade.

Recentemente, o Instituto Federal de Goiás (IFG) e o Instituto Federal Goiano (IF Goiano) lançaram o "Guia Prático de Comunicação da Ciência nos Institutos Federais: uma revista conversada". O documento traz dicas de planejamento e ações de como produzir divulgação científica com eficiência e qualidade. A publicação é fruto de uma pesquisa de mestrado da jornalista da Tássia Galvão, do IFG.

O blog Dissertação Sobre Divulgação Científica conversou com a autora sobre o Guia e os desafios das universidades e institutos federais nessa área. Segundo ela, um grande erro é a falta de planejamento e de não dispor de dados sobre o perfil do público com o qual se deseja dialogar. "É preciso planejar, não adianta sair por aí criando rede social para falar de ciência e achar que as pessoas vão ler", comenta.


Confira a entrevista:

De onde deve partir um plano de divulgação científica dos Institutos Federais (IF's)? E por quais etapas o documento passa?

Um plano de divulgação científica deve partir, em primeiro lugar, por uma vontade coletiva. Em uma instituição pública ou privada, são vários os atores envolvidos nesse processo: jornalistas, outros comunicadores, gestores, pesquisadores etc. A partir dessa vontade, é preciso ter prioridade em pensar de forma conjunta as melhores estratégias e o melhor planejamento, que na prática vai chegar a um plano específico, ou seja, a materialização do planejamento maior. 

Os primeiros passos na construção de um plano são as reuniões, os encontros e os debates. Depois, é importante selecionar o público-alvo, o que é muito importante em qualquer plano de comunicação. A partir dele, é possível definir melhor as estratégias e as ações. Por exemplo, há planos de divulgação interna ou externa, o que diferencia bastante as ações a serem realizadas. 

Penso que, mesmo nas reuniões introdutórias, seja importante esclarecer o que é um plano de divulgação científica, traçar um briefing com o público a quem ele se destinará, as metas e os objetivos a serem atingidos, o tempo de implementação, os atores envolvidos, o papel de cada um na elaboração e execução de um plano. Isso facilita as definições de estratégias e ações, o montante de investimento e as formas de avaliação do plano. Somado ao briefing está a pesquisa com as informações da instituição, do público. Caso não tenha muita informação disponível, é preciso providenciar uma pesquisa. 

Depois, é importante escrever a minuta do plano e apresentá-la aos envolvidos, para que seja aprovada. É importante que o ano seja iniciado já com um plano definido e aprovado no ano anterior. Após a aprovação, é fundamental que a comunidade - seja ela interna ou externa - também seja informada do documento.

Sobre os tipos de planos, há os mais simples, com um objetivo, e há os mais elaborados, com várias ações e diferentes objetivos. Mas o que penso ser fundamental é fazer um plano exequível, dentro das possibilidades em termos de pessoas envolvidas, orçamento, disponibilidade de tempo e capacidade de execução.


Quais setores institucionais devem estar envolvidos na elaboração e na prática em si da divulgação científica?

Se pensamos em uma instituição pública, o setor de comunicação, necessariamente, junto ao setor de pesquisa e pós-graduação, com a atuação tanto de gestores quanto de outros servidores. É importante, inclusive, o envolvimento de servidores de áreas administrativas e, também, de estudantes de programas de iniciação científica. 

Eu diria que estes são os principais, mas tudo depende do tamanho do plano e dos objetivos. Há planos integrados em uma instituição de ensino, por exemplo, que devem unir ensino, pesquisa e extensão. Nesses casos, pessoas dessa área precisam ser inseridas no processo. É a verdadeira forma de integrar e inserir a divulgação científica em diversos campos, não apenas nos setores de pesquisa e de comunicação.


Qual é o conceito de divulgação científica que conduziu a elaboração do Guia?

Eu procurei trabalhar um conceito que desse conta da divulgação científica em seu sentido mais amplo, que abarcasse, inclusive, a parte de comunicação da ciência. Portanto, procurei fazer um misto de autores já consagrados nesta área, como o médico José Reis e o professor Wilson da Costa Bueno e também outros autores mais atuais, como Ulisses Capozzoli e Luisa Massarani . Na minha dissertação de mestrado, que originou o Guia, trabalhei com diversos outros autores também, pois os conceitos se complementam. 

O conceito inspirado em José Reis foi o seguinte: Por divulgação científica, entende-se aqui o trabalho de comunicar ao público, em linguagem acessível, os fatos e os princípios da ciência, dentro de uma filosofia que permita aproveitar o fato jornalisticamente relevante como motivação para explicar os princípios científicos, os métodos de ação dos cientistas e a evolução das ideias científicas”. 

Já o de Ulisses Capozzoli foi: Divulgação científica não é outra coisa senão um esforço de inteligibilidade do mundo que se busca e, ao mesmo tempo, se compartilha com os demais. [...] Um texto de divulgação pode, ainda que alguns possam surpreender-se, produzir conhecimento primário tanto quanto uma pesquisa convencional. E isso porque, tanto na divulgação quanto na pesquisa, o que está em questão é a interpretação. É a interpretação que revela o novo e, dessa maneira, reconfigura o mundo. Isso significa dizer que divulgação de ciência é coisa para divulgadores científicos, tenham eles a formação que tiverem, desde que comprometidos com os princípios científicos”. 

Por sua vez, o do Wilson da Costa Bueno foi: A divulgação científica não está restrita aos meios de comunicação de massa. Evidentemente, a expressão inclui não só os jornais, revistas, rádio, televisão ou mesmo o jornalismo on-line, mas também os livros didáticos, as palestras de ciências […] abertas ao público leigo, o uso de histórias em quadrinhos ou de folhetos para veiculação de informações científicas (encontráveis com facilidade na área da saúde / Medicina), determinadas campanhas publicitárias ou de educação, espetáculos de teatro com a temática de ciência e tecnologia (relatando a vida de cientistas ilustres) e mesmo a literatura de cordel, amplamente difundida no Nordeste brasileiro”.


Qual é, na sua opinião, o papel da divulgação científica feita pelos IFs no combate à pandemia?

A divulgação científica, nos IFs e creio que em qualquer instituição de ensino e pesquisa, é fundamental no combate à pandemia e outras doenças que afetam a saúde pública. No Brasil todo estão sendo desenvolvidas milhares de ações nos 38 institutos federais e nas outras instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Com uma comunidade de mais de 1 milhão de estudantes, mais de 500 mil servidores em todo país, creio que é possível chegar a um número elevado de pessoas, não só dessa comunidade interna como à comunidade externa, começando pelas famílias de todos os envolvidos. Os institutos possuem capilaridade e mais de 600 unidades no Brasil. É possível e necessário agir em cada canto, aproveitar a estrutura pública para disseminar informações e conteúdos relevantes capazes de salvar vidas, dar um bom exemplo na fabricação, distribuição e uso de máscaras e de álcool em gel. Por exemplo, atuar nas comunidades em volta de cada campus, estar presente com ações de extensão, levar as pesquisas na área da saúde e produzir inovação no combate à pandemia. 

Os Institutos Federais são instituições centenárias e possuem credibilidade conquistada pela qualidade no ensino e na pesquisa. São instituições públicas que utilizam o dinheiro público e precisam trazer de volta à sociedade não só o investimento, mas também levar o conhecimento, estarem abertas ao público.  


Quais são as maiores dificuldades em divulgar ciência nos IFs?

Penso que a maior dificuldade é a própria falta de cultura na divulgação da ciência, seja em âmbito da pesquisa como em âmbito dos setores de comunicação. A prioridade dos IFs, historicamente, é o ensino, no que se destacam muito bem e conseguiram credibilidade ao longo dos anos. A pesquisa surgiu recentemente nesses locais, a partir da criação da Leis dos IFs (Lei 11.892), de 2008. Para que seja criada e desenvolvida uma cultura de divulgação da ciência, é preciso tempo, planejamento, capacitação dos profissionais da pesquisa, pesquisadores e dos setores de comunicação, além da necessidade de ser prioridade da gestão e de haver envolvimento da comunidade.


Quais costumam ser os maiores erros na divulgação científica nos IFs?

Um dos principais erros é a falta de planejamento, não estudar as melhores estratégias e formas de divulgar a ciência, começando em não realizar pesquisas nessas áreas e não estudar os públicos que se quer atingir. Ações efetivas, normalmente, conseguem atingir os seus objetivos se são realizadas de acordo com o perfil de um público, levando informação da forma como os interlocutores gostam de recebê-la. Por exemplo, em comunidades onde a internet não chega ou ainda não é referência, normalmente em comunidades mais carentes ou de difícil acesso, a divulgação científica precisa ser feita presencialmente.

Se você não leva a informação, não leva o conhecimento para fora. É um erro muito grave as instituições comunicarem mais para dentro do que para fora. Assim, você não consegue estabelecer boas relações com a imprensa, por exemplo. Os veículos de comunicação precisam ser grandes parceiros nesse trabalho e, muitas vezes, eles são carentes de conteúdos que precisam partir dos setores de comunicação dos IFs. A imprensa tem uma repercussão muito grande na sociedade. Então, é uma relação que, necessariamente, deve existir.


 Como analisar quais são os canais de divulgação científica mais adequados para divulgar ciência?

Comece pelo público, como mencionado anteriormente. Existem pesquisas anuais ou a cada dois anos que mostram, em termos nacionais, onde as pessoas buscam informações. Tem, por exemplo, pesquisa da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, mas também de outros órgãos e instituições. 

Há estudos que medem a percepção pública da ciência e mostram a confiabilidade das instituições, de cientistas e da imprensa perante o público. A mais recente pesquisa sobre o tema realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) última foi realizada em 2019. A partir dessas pesquisas ou de uma que possa ser feita na própria instituição onde o trabalho será desenvolvido, podemos pensar num ponto de partida. A pesquisa vai nos orientar a desenvolver as melhores ações, escolher os melhores canais de acordo com o nosso público e do quanto dispomos para investimento. 

Por isso, pensar o público é fundamental. Fazer divulgação científica para todo mundo da mesma forma e em um mesmo canal é utopia. Hoje, a segmentação é muito importante. Por exemplo, há pessoas que só usam o WhatsApp como meio de comunicação confiável, então precisamos pensar em ações voltadas para esse canal. Outras utilizam redes sociais como Instagram e Tik Tok, ou seja, o canal dependerá do público e dos seus objetivos. Eu gosto muito de podcast e avalio que é um canal em crescimento. É uma opção em que você consegue aprofundar se quiser, as pessoas podem ouvir em qualquer lugar. Além disso, você retoma a questão do rádio, que é muito antigo, e já temos excelentes podcasts de ciência no país. 


Onde e como as redes sociais entram nesse cenário de divulgação científica dos IFs? Como usar esses instrumentos?

Elas entram em praticamente tudo, principalmente depois do início da pandemia, quando a internet, o virtual, o on-line se sobressaíram. As redes ganharam força, assim como a imprensa também. As redes estão conquistando espaço e credibilidade também na área de divulgação da ciência. Mas, é preciso planejar, não adianta sair por aí criando rede social para falar de ciência e achar que as pessoas vão ler. Se não houver um estudo prévio e uma parceria com os setores de comunicação, o processo fica bem mais difícil de se efetivar e ter sucesso. Os setores de comunicação possuem redes sociais consagradas. Por que não aproveitar isso e produzir conteúdos de pesquisas que possam ser veiculados nesses canais? 

Há institutos com mais de 20 ou 30 mil seguidores em suas redes. São espaços já consolidados para falar sobre questões de ensino, de oportunidades em editais de ingresso. Por que não falar também de ciência nesses locais? Mesmo no WhatsApp, via cadastro de interessados, por que não montar uma lista de transmissão de conteúdo, com periodicidade, informação importante e correta e de tal forma que o público entenda? 

Na minha pesquisa do mestrado, que fiz com estudantes e pesquisadores dos dois institutos de Goiás, os canais mais bem votados para divulgação científica foi justamente as redes sociais. Ou seja, é onde o jovem está. Professores, pesquisadores, líderes de turma, de grêmios, de bairros e comunidades também são muito importantes nesse momento, pois eles possuem credibilidade perante cada comunidade. Fazer parceria com essas pessoas é fundamental.

 

Como solucionar o dilema entre divulgar ciência e fazer divulgação institucional, o que muitas vezes é confundido?

São duas coisas diferentes. A divulgação institucional preza pela instituição, parte-se do princípio de que a instituição é o foco e, secundariamente, o que ela desenvolve. Na divulgação da ciência é diferente: o foco é a ciência, são os processos científicos e os resultados voltados para a comunidade. Com planejamento, essas questões podem ser esclarecidas e entendidas pelas pessoas como processos diferentes, que requerem capacitação, maior tempo de produção, profissionais específicos e treinados, além de ações também específicas, o que muitas vezes não ocorre porque os setores de comunicação e pesquisa das instituições são muito enxutos. 

Se você tem um jornalista para cuidar de toda a comunicação de um campus com 2 mil pessoas, como é que esse profissional vai dar conta sozinho do dia a dia, que é a divulgação institucional e a divulgação da ciência? Divulgar a ciência é também um processo de pesquisa, de estudo, de entender sobre o que falar, escrever, conversar com pessoas, de leitura de artigos e outras produções para levar informação de forma correta e entendível. 

Então, a prioridade é fundamental. Vamos efetivamente levar à sociedade o que ela precisa saber, nem que seja esporadicamente, vamos evoluir nesse aspecto ou vamos continuar ainda durante muitos anos apenas fazendo essa comunicação institucional? Onde queremos chegar? Quais são os nossos objetivos?

 

Que tipo de casos você pode mencionar como bons exemplos de divulgação científica nos IFs e nas universidades públicas?

A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) criou recentemente uma editoria de ciência em seu portal, com espaço específico a produtos de divulgação científica, criado pelo setor de comunicação. No site da Universidade, já na primeira página, é possível observar isso. Esse mesmo tipo de ação nós encontramos nos sites da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na Universidade Federal de Goiás (UFG), temos o jornal produzido pelo setor de comunicação e que se dedica bastante à divulgação de pesquisas. 

Há muita coisa boa aparecendo durante a pandemia, que despertou os olhares e a necessidade desse tipo de trabalho.

 

Há algum tópico sobre o qual você gostaria de comentar, mas deixamos de abordar na entrevista?

Uma questão muito importante é o diálogo entre o setor de comunicação e o de pesquisa de uma instituição, seja ela pública ou privada. O entendimento da importância da comunicação, dos profissionais capacitados, a noção da quantidade alta de trabalho que esses setores desempenham e da sua função estratégica dentro de uma instituição são questões que ainda podem passar despercebidas. 

Outros dois pontos também são a imprescindibilidade de desenvolver pesquisa dentro das instituições, para que as ações de divulgação da ciência e outras também possam ser realizadas de maneira mais certeira ou com mais perspectivas. A gente pesquisa muito pouco em nosso dia a dia, e às vezes estamos achando que o nosso trabalho chega às pessoas. Nem sempre isso acontece porque muitas vezes não sabemos o que o público quer e nem a forma de atingi-lo. 

Eu sempre acreditei no diálogo e também na presença, depois que for possível (por conta da pandemia do novo coronavírus). As relações presenciais e pessoais são muito importantes no desenvolvimento de qualquer trabalho. A ideia de coletividade e planejado nunca foi tão importante e necessária. E, por fim, o incentivo também à realização de pesquisas nacionais que valorizem a ciência, a comunicação da ciência, que tenhamos investimento para que isso seja feito, que possamos ser prioridade.

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