Secretário da SBPC-RJ fala sobre o cenário científico e educacional do país
O secretário regional da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência no Rio de Janeiro (SBPC-RJ), Leandro Lobo, concedeu uma entrevista ao blog Dissertação Sobre Divulgação Científica para esclarecer as estratégias da entidade contra o cenário de restrições orçamentárias na ciência, tecnologia e na educação.
O pesquisador do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro destacou que a SBPC tem promovido encontros e audiências com autoridades estaduais e nacionais para a retomada dos investimentos que permitam a emergência de um novo ciclo de desenvolvimento do Brasil. Segundo Lobo, uma das ações para pressionar os governos e influenciar a opinião pública tem sido a realização de marchas pela ciência, que já chegou à terceira edição.
"O orçamento para a C,T&I em 2018 é 19% menor do que o já combalido orçamento de 2017" (...) "Na educação, a situação é ainda mais grave. Os orçamentos das universidades públicas serão os menores dos últimos 10 anos" - Leandro Lobo.
Confira a entrevista:
Quais são as
grandes pautas em discussão hoje em dia pela SBPC? E quais são os espaços de
deliberação institucional e pública?
A SBPC é uma
sociedade que está completando 70 anos em defesa da ciência e tecnologia do
nosso país. Ao longo desses anos, muita coisa mudou, mas os seus ideais
permaneceram firmes. A Sociedade está comprometida com a luta pela educação de
qualidade e gratuita a todos e pela defesa dos interesses dos cientistas que
atuam no Brasil. Isso sem perder de vista a importância do papel desses
cientistas no desenvolvimento científico e tecnológico que atenda, sobretudo, as
necessidades e os interesses maiores da sociedade brasileira. A SBPC tem se
posicionado sempre em prol da liberdade de pesquisa, de opinião e do direito
aos meios necessários à realização do trabalho dos cientistas.
A Sociedade tem
assento nas fundações estaduais de amparo à pesquisa e em diversas comissões de
órgãos nacionais, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conselho Nacional
de Saúde, Conselho Superior da Agência Espacial Brasileira e o Fundo Nacional
Sobre Mudanças do Clima. Uma lista completa pode ser encontrada na página da SBPC.
Quais estratégias
a SBPC tem adotado para convencer o governo e o Congresso a retomar uma agenda
pró-ciência, tecnologia e educação?
No ano passado, participamos da
campanha “Conhecimento sem cortes”, em oposição às limitações orçamentárias nas áreas de
C, T & I e na educação. Em 2017, o presidente da SBPC, o professor Ildeu Moreira de
Castro, entregou um documento com mais de 82 mil assinaturas ao presidente do
Senado e ao presidente da Câmara dos Deputados pedindo o fim dos cortes nas
pesquisas. As secretarias regionais de todos os estados se mobilizam
pressionando os parlamentares, tanto na esfera federal quanto na estadual. Aqui no Rio de Janeiro, nós participamos de reuniões na Comissão
Especial de Educação da Assembleia Legislativa e batalhamos junto com outras
entidades e, também, com reitores das universidades públicas estudais para
garantir o repasse de 2% do orçamento estadual à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Esperamos garantir que esse repasse seja feito mensalmente, os chamados duodécimos.
Gostaria de acrescentar que a secretaria
regional do Rio retomou o programa “Ciência às seis e meia”, que promove
palestras com pesquisadores de ponta para a população, em uma linguagem
descontraída e acessível. Diversas outras iniciativas estão sendo planejadas e
serão anunciadas em breve. As novidades podem ser acompanhadas na página do Facebook da regional do RJ e no Jornal da Ciência.
Como tem sido a
realização das marchas pela ciência no Brasil? Tem havido adesão da sociedade e da comunidade acadêmica?
Já foram
realizadas 3 marchas no país, em diversas cidades e em todas as regiões do
Brasil. Todas contaram com a participação da SBPC. Em relação à mobilização da
classe composta por cientistas, pesquisadores, professores e alunos, as marchas
têm sido um sucesso raramente visto no Brasil. Mas, precisamos da participação
da sociedade para engrossar esse movimento. Esse apoio, na minha opinião, está
vinculado a uma missão importante da nossa classe: a divulgação científica.
Por que a ciência, tecnologia e a educação são tão vulneráveis a oscilações políticas e
econômicas?
Particularmente,
não tenho dúvidas de que os benefícios trazidos por investimentos em educação
são a melhor forma, senão a única, de tirar o nosso país da situação de penúria
e atraso em que se encontra. Esses benefícios, porém, são vistos a longo prazo,
um tempo muito maior do que mandatos políticos. Cortes em ciência e educação
são parte de uma estratégia populista dos governos, que preferem investir em
áreas com maior visibilidade. Essa estratégia é um paliativo que oferece
resultados rápidos, mas passageiros.
Após algum
tempo, a situação se reverte ao estado original e um novo ciclo de gastos
públicos se resume sem solucionar o problema. Enquanto isso, a melhor forma de
se resolver os principais desafios do nosso país é deixada de lado. Diversas
nações desenvolvidas, como a Coréia do Sul e a China, já demonstraram que
educando, capacitando a população e investindo em ciência e tecnologia são
opções com um custo-benefício muito superior.
Quanto de recursos
de C,T&I está retido pelo governo? Como e em que essa falta de repasse tem
prejudicado o campo acadêmico?
Os repasses às fundações
de amparo à pesquisa dos estados estão debilitados. As universidades públicas
estão na penúria, funcionários e professores com salários atrasados, obras
paralisadas. Faltam recursos até para a manutenção e para itens essenciais de
segurança. Essa situação acontece endemicamente no país inteiro, basta olhar
para qualquer universidade pública. Aqui no departamento onde trabalho na UFRJ,
por exemplo, tivemos alagamentos causados por infiltrações de água após os
temporais de fevereiro, algo que poderia facilmente ser
prevenido por manutenção.
As principais
agências de fomento do país, o CNPq e a CAPES, estão cortando bolsas e
financiamentos de pesquisas. Diversos laboratórios e centros acadêmicos estão
deixando de fazer ciência e produzir conhecimento por falta de recursos. Pesquisadores brasileiros,
pessoas brilhantes, estão deixando o país. Esse material humano é muito valioso
e representa uma perda inestimável. Quanto tempo levamos para formar um bom
cientista? Ou um engenheiro experiente?
No Rio de
Janeiro, a Câmara Legislativa aprovou, recentemente, um Projeto de Lei que visa
desviar 30% dos fundos da Faperj para outros setores. Esse projeto está sendo
questionado na justiça pela sua inconstitucionalidade, e a SBPC/RJ está
batalhando para reverter essa situação.
Com qual cenário
a SBPC trabalha em relação aos investimentos em C,T&I e em educação para
2018?
O Orçamento para a C,T&I em 2018 é 19% menor do que o já combalido orçamento de 2017. Esse
corte afeta, principalmente, o orçamento destinado a custeio e investimentos.
Ou seja, destrói a capacidade de o país produzir inovação científica. Isso afeta,
por exemplo, as agências de fomento, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (FNDCT). Em geral, o orçamento de 2018 inviabiliza a pesquisa no Brasil,
e já começamos a ver os efeitos dessas medidas. Recentemente, o Brasil foi
excluído do consórcio que administra o Observatório do Sul da Europa.
Na educação, a
situação é ainda mais grave. Os orçamentos das universidades públicas serão os
menores dos últimos 10 anos, enquanto que a CAPES sofreu corte de 20% do seu
orçamento, em relação a 2017.
No último mês (março
de 2018), a SBPC promoveu reunião com representantes de 80 sociedades
científicas no Fórum Permanente das Sociedades Científicas para debater e
traçar estratégias sobre a ciência brasileira em 2018. Recomendo a leitura do
manifesto publicado no Jornal da Ciência e assinado pela SBPC, ABC, Andifes,
Confap, Consecti e Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de
Ciência e Tecnologia (clique aqui).
Também recomendo
a matéria sobre o encontro do Fórum Permanente das Sociedades Científicas
Associadas à SBPC com estratégias para 2018 (clique aqui).
O tema da
próxima Reunião Anual da SBPC já foi definido. Será "Ciência,
Responsabilidade Social e Soberania". O que esse título representa para o presente cenário científico e político?
O
tema remete a algo já discutido aqui: a
divulgação científica e o engajamento da população em decisões que afetam a C,T&I e a educação. É preciso aproximar a população e as empresas privadas
das universidades públicas e dos outros centros de pesquisa. Esse diálogo é
essencial para a valorização da ciência brasileira. Por outro lado, cientistas
e pesquisadores precisam estar mais conscientes do seu papel na geração de
conhecimento e no desenvolvimento de tecnologias que permitam o crescimento do
país
Qual é o espaço
da divulgação científica nas atividades e pautas da SBPC?
A SBPC entende
plenamente a importância da divulgação científica para o grande público, em uma
linguagem mais acessível e que faça sentido. De certa forma, é uma maneira de
retribuir à população, que através dos seus impostos banca a maioria das
pesquisas feitas no Brasil. É preciso que a população entenda a ciência como
uma fonte de progresso e geração de renda para o país.
Possuímos pesquisas de ponta sendo feitas em várias instituições, mas os resultados raramente chegam aos ouvidos da sociedade. O cientista acaba sendo visto no estereótipo de ermitão ou gênio maluco, trabalhando em problemas que não despertam interesse para o Brasil. Se não mostrarmos a real importância dessas pessoas para a população, continuaremos vulneráveis a ataques por parte de ações políticas.
Possuímos pesquisas de ponta sendo feitas em várias instituições, mas os resultados raramente chegam aos ouvidos da sociedade. O cientista acaba sendo visto no estereótipo de ermitão ou gênio maluco, trabalhando em problemas que não despertam interesse para o Brasil. Se não mostrarmos a real importância dessas pessoas para a população, continuaremos vulneráveis a ataques por parte de ações políticas.
A SBPC patrocina
eventos de divulgação científica em todo o Brasil, como por exemplo o projeto
“SBPC vai à escola”. A Sociedade também edita o Jornal da Ciência e promove diversos
encontros, como a reunião anual, que esse ano será em julho, em Maceió-AL, quando a entidade celebra 70 anos.
No Rio de
Janeiro, a SBPC retomou o famoso ciclo de palestras “Ciência às seis e meia”,
que acontece toda primeira quarta-feira do mês no Museu do Amanhã. Para entrar
em contato com o público jovem, a SBPC tem ampliado a sua participação em
mídias sociais, como o Twitter (@SBPCrj) e o Facebook (/SBPCRJ), e está
participando da organização no Rio de Janeiro do festival de divulgação
científica Pint of Science.
Há algum tópico
sobre o qual você gostaria de abordar na entrevista, mas deixamos de falar?
Gostaria de
destacar a atuação da SBPC em defesa do direito de cientistas brasileiros, que estão
sofrendo ataques descabidos de autoridades nacionais. Veja o Caso do Dr.
Elisaldo Carlini, professor emérito da Unifesp, um pesquisador reconhecido
internacionalmente como uma das maiores autoridades em entorpecentes no mundo.
O Dr. Carlini foi convocado recentemente para prestar depoimento em um
inquérito policial sobre apologia às drogas, por organizar um simpósio sobre o
uso terapêutico da maconha, em maio de 2017.
A SBPC e a Academia
Brasileira de Ciências divulgaram um manifesto público repudiando, com
veemência, o fato. As entidades lançaram uma petição pública online, que será
encaminhada a todas as autoridades competentes do estado de São Paulo e do
Brasil. A Sociedade sempre teve uma forte atuação na defesa da liberdade de pesquisa
e da divulgação da ciência brasileira, e continua mantendo essa tradição.
Comentários
Postar um comentário