Entrevista: diretora da RedPOP fala sobre os desafios da divulgação científica na América Latina e Caribe

 

Martha Cambre já foi tesoureira da RedPOP e agora
está no segundo mandato como diretora da instituição.
Foto: Falling Walls.

Um dos principais desafios do campo da divulgação científica sempre foi constituir redes para fortalecer as ações, agregar iniciativas isoladas, fomentar a profissionalização de quem atua no meio e consolidar a área profissional e academicamente. Hoje em dia, esse cenário já está mais avançado, embora não seja o ideal ainda. Mas, na década de 1990, a divulgação científica no Brasil e na América Latina ainda, digamos, patinava, carecia de instâncias representativas.

Foi nessa época, mais especificamente em novembro de 1990, que surgiu a Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América Latina e no Caribe (RedPOP), que reúne e promove a integração entre grupos, programas e centros de divulgação da ciência da região. A instituição conta hoje com cerca de 80 associados, sendo sete do Brasil. A atual diretora executiva da RedPOP é a engenheira uruguaia Martha Cambre Hernández, que está no segundo mandato.

Nesta entrevista para o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica, Martha, que também é coordenadora do museu interativo Espaço Ciência, do Uruguai,  falou sobre a trajetória dos 30 anos da RedPOP, o desenvolvimento da divulgação científica na América Latina e no Caribe, ações em destaque em alguns países, a visão dela sobre a área no Brasil e a novidade do próximo Congresso da RedPOP, entre outros assuntos. Confira!


Martha Cambre apresentando, em 2017, as novas
propostas da direção executiva da RedPOP
 


ENTREVISTA:

Qual tem sido o papel da RedPOP na divulgação científica da região?

A atuação da RedPOP ao longo de seus 30 anos tem sido fundamental para gerar um entrelaçamento de instituições que se dedicam à divulgação científica na região. Permitiu gerar espaços de discussão, reforçar a importância da divulgação científica, estabelecer conexões entre os países e as suas políticas de ciência e tecnologia, aprender com as experiências compartilhadas pelos seus integrantes e promover a união para o crescimento de um campo que há 30 anos era incipiente. 

Em resumo, foi criada uma comunidade latino-americana de museus, centros interativos, programas e universidades que trabalham com a divulgação científica. É uma comunidade que se reconhece e é reconhecida fora da região.

Qual é o principal desafio da sua gestão à frente da RedPOP?

Os últimos anos foram complexos em nível regional. Viemos de períodos em que muitos países cresceram em suas ações de comunicação pública da ciência. Países com uma longa história de avanços na área, há alguns anos, começaram a ter dificuldades e cortes de orçamento por diversos motivos, principalmente Argentina, Brasil e México, que são três grandes referências na região. A isso se soma a pandemia da Covid-19 que afetou o mundo inteiro. Portanto, no ano passado e neste ano, temos o grande desafio de manter os membros ativos e ser capazes de fornecer ferramentas úteis para apoiar os nossos membros em tais circunstâncias especiais. Isso, sem deixar de trabalhar em outros objetivos, como agregar novos países e, com isso, reforçar a variedade de vozes da nossa rede.

A RedePOP possui ações específicas de combate à pandemia?

Não, especificamente. Mas, sim no caso dos nossos membros que se adaptaram às novas circunstâncias. O nosso trabalho foi partilhar e permitir um maior alcance destas ações. Como uma rede, apoiamos pesquisas específicas sobre como eles reagiram à pandemia e cursos para membros que buscam apoiar áreas que tiveram o maior impacto de transformação, como é o caso de ações virtuais.

No ano passado, a RedPOP completou 30 anos. Como você avalia a trajetória da instituição ao longo desses anos?

O fato de uma rede que se baseia fundamentalmente na ação honorária de seus membros ter completado 30 anos ser referência na região e ter reconhecimento mundial é, em si, um grande valor. A RedPOP evoluiu e se consolidou como a rede que reúne programas, centros, museus e universidades com trabalhos voltados à popularização da ciência. Isso, graças à ação de tantas pessoas que dedicaram abnegadamente seu tempo e conhecimento em prol da comunicação pública da ciência para todos. As publicações têm sido feitas com pesquisas inéditas para a área, tem colaborado na profissionalização de seus membros por meio da formação e, também, gerado vínculos estreitos entre os seus membros, o que permite gerar colaborações e trocas de experiências.

O que significava divulgar a ciência nos anos 1990, quando foi criada a RedPOP, e o que significa divulgar a ciência hoje? O que mudou?

Quando a RedPOP iniciou os seus trabalhos de popularização da ciência na América Latina, a área era incipiente. Embora já existissem programas trabalhando com os temas, centros interativos estavam apenas começando em alguns países. Foi a terceira rede regional a ser criada, depois da  Association of Science-Technology Centers - ASTC (a primeira e que basicamente reúne os Estados Unidos e o Canadá) e poucos meses depois da The European Network of Science Centres and Museums - ECSITE, a rede europeia. 

Portanto, era preciso dar voz à divulgação científica, cujo conceito penetrou na sociedade como um todo, desde os tomadores de decisão até as famílias. Por isso, foi necessário apoiar as novas formas de popularização da ciência que iam surgindo, para que a academia acompanhasse essas mudanças e começasse a profissionalizar quem estava começando a trilhar esse caminho.

Hoje a situação é diferente. Em todos os países, em maior ou menor grau, houve desenvolvimento de programas, centros interativos, atividades e muitos casos de políticas públicas de promoção da cultura científica.

Embora tenha havido avanços, o campo da divulgação científica na América Latina ainda não alcançou um lugar de predominância como outras disciplinas. Isso se verifica, em muitos aspectos, em um percentual elevado de quem trabalha na divulgação somente pela questão honorária ou, por exemplo, quando a área é a primeira a ser afetada em eventuais cortes de gastos.

O mundo está mudando, novas questões como gênero e acessibilidade, que não estavam presentes na década de noventa, foram adicionadas à agenda. As abordagens são diferentes hoje em dia, em relação há 30 anos.

Sempre foi prioridade da RedPOP chegar a todos, democratizar o conhecimento. Por isso, o nome Rede de Popularização. Esse continuar sendo um dos focos, o que nos dá direção. Hoje, a mídia é muito diferente daquela dos anos noventa, mas quebrar barreiras para atingir públicos diferentes, segue sendo um desafio.

Como diretora de um museu de ciências, o Espacio Ciencia, no Uruguai, como você interpreta o papel desse tipo de museu na divulgação científica?

Museus e centros interativos desempenham um papel fundamental em suas comunidades. Devido às suas estruturas e ao seu perfil lúdico, têm a capacidade de gerar propostas inovadoras que podem apoiar os sistemas educativos. A sua maior flexibilidade permite a implementação de novas estratégias mais rapidamente do que os sistemas formais de tempos muito diferentes. Portanto, são locais de exploração, não só do público, mas também onde os professores podem se formar e buscar novas ideias para aplicar nas salas de aula. São espaços de grande credibilidade nas suas comunidades e, por isso, são procurados por diversos perfis de visitantes. Isso implica em uma grande responsabilidade no tratamento de um assunto e, sobretudo, um grande respeito pelos nossos visitantes.

Que tipo de diferenças e características você observa na divulgação científica por país, em geral, na região? Quais países e iniciativas, em sua opinião, mais se destacam e por quê?

A América Latina é muito diversa. Os países que a compõem não só possuem aspectos culturais que os diferenciam, mas também muitos deles possuem grande diversidade cultural dentro do seu próprio território.

Existem referências históricas na divulgação científica, como Argentina, Brasil, Colômbia e México. Os primeiros museus interativos, desenvolvimentos acadêmicos na área, surgiram nesses países. Cada país tem as suas características, e isso a gente observa muitas vezes nas reflexões sobre aplicações de terminologias. Na Colômbia, por exemplo, foi internalizado o conceito de apropriação social da ciência e tecnologia, enquanto que no México é mais usado o termo comunicação pública da ciência.

Podemos encontrar iniciativas e programas muito bons em muitos países da região. O Chile, por exemplo, possui o Programa Explora há mais de 20 anos, que alcança todo o território chileno. A ação desse programa se divide em regiões com uma rede muito bem organizada. Desde o Explora, desenvolveram-se excelentes programas de divulgação científica e surgiram outras ações importantes, como o museu interativo CICAT da Universidade de Concepción.

O Parque Explora, em Medelín, é outro caso de destaque na região. O projeto surgiu de uma política pública da Prefeitura de Medellín, que não só transformou a comunidade onde está inserida, mas também é uma referência internacional por seus programas inovadores e com uma marca sociocultural muito forte.

Qual é a sua observação sobre a divulgação científica no Brasil?

O Brasil é uma das grandes referências de divulgação científica na América Latina. Nos primeiros anos do século 21, o Brasil deu um grande impulso à divulgação científica por meio de políticas públicas de apoio e aumento dos investimentos. Isso se refletiu não apenas em um crescimento nos programas de extensão, mas especialmente no nível acadêmico. Muitas pesquisas na área têm sido realizadas com o apoio de fundos públicos brasileiros, muitos profissionais foram treinados e um grande número de publicações em revistas especializadas e artigos técnicos foram elaborados em diversas universidades - Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais - e institutos de pesquisa, como a Fiocruz. Embora nos últimos anos esse impulso tenha sofrido um certo retrocesso, as capacidades humanas já formadas continuam a ser um grande motor da divulgação científica regional.

A rede social tem sido um meio central de divulgação hoje. Como o RedePOP lida e trabalha com essas mídias?

As redes sociais têm sido um grande suporte para as atividades, e em 2020 foram aliadas estratégicas. A RedPOP não possui uma grande capacidade de difusão devido à sua estrutura. Nas redes, compartilhamos informações sobre os nossos membros e tudo o que possa ser do interesse da comunidade.

Como estão os preparativos para a próxima reunião da RedPOP no Uruguai? Quais tópicos devem compor a pauta? A pandemia afetará o evento de alguma forma?

Devido à pandemia, mudamos a data do Congresso de 2021 para novembro (seria em maio) e será em formato virtual, pela primeira vez na história dos congressos da RedPOP. Estamos preparando novos formatos em adaptação à nova modalidade. Os efeitos da pandemia foram um grande golpe para todo o mundo, mas o objetivo será ver além da pandemia e identificar como a divulgação científica pode ser uma luz capaz de nos guiar nesse cenário.

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