Entrevista: coordenador fala sobre o Enancib 2019



A 20a edição do Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (Enancib), principal evento da área no Brasil, aconteceu entre os dias 21 e 25 de outubro na Ponta das Canas, em Florianópolis. É a terceira vez que a cidade sedia o Encontro. Foram cerca de 750 inscritos e 810 trabalhos submetidos, dos quais 452 foram aceitos pela comissão.

O coordenador do Enancib 2019 concedeu uma entrevista para o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica. O professor Adilson Luiz Pinto, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), falou sobre os desafios de organizar um evento desse porte em tempos de dificuldades para a ciência. 

Para ele, o Enancib é fundamental para a área, mas tem perdido importância em relação aos indicadores oficiais de avaliação. “Nos dois últimos anos, as produções do Enancib praticamente não deram pontuações. Eu acho que deveria valer pelo menos o equivalente a uma revista B1 no antigo estrato”. 

Adilson também enfatizou a necessidade de a universidade pública reforçar as interações sociais e comunitárias, inclusive através da divulgação científica, defendeu formas alternativas de publicação de pesquisas, como a utilização de vídeos, e comentou sobre o papel da Ciência da Informação frente às fake news, um dos principais temas e desafios da sociedade contemporânea.



Confira esses e outros tópicos da entrevista!



Como foi a organização do Enancib?

Esse ano, nós organizamos o Enancib com a participação de um grupo de aproximadamente 50 pessoas, incluindo alunos de pós-graduação e voluntários da graduação. A gente dividiu algumas linhas de trabalho, que foram as principais frentes da coordenação para o Enancib. 

Uma delas foi o espaço físico. Tivemos um trabalho duro para encontrar o local de realização do evento. Tentamos realizar na UFSC, mas infelizmente não foi possível. No centro de eventos não há estrutura para comportar um evento do porte do Enancib. Então, preferimos fazer em local fora da UFSC para não reduzir a qualidade em relação aos últimos dois ou três Enancib’s.

Outra frente foi a de locomoção, já que o local de realização foi na praia Ponta das Canas, que fica há 20 km da Universidade. Tivemos que pensar e organizar uma logística para levar os alunos, principalmente os da graduação porque os da pós-graduação conseguiram se articular.

Também tivemos que pensar na distribuição de kits que foram entregues, especialmente aos autores das teses e dissertações premiadas. Outros grupos se dedicaram a organizar o jantar, que foi por adesão, e aos serviços de hotelaria. Houve também uma equipe só para os trabalhos de mídia e divulgação, atuando no nosso site e em todas as principais redes sociais.

Como funcionou a estrutura para organizar o Enancib em 2019?

O Enancib, especificamente, não é vantajoso para quem organiza porque exige gastos altos e complexos. Gastos como passagens e hospedagem de coordenadores de Grupos de Trabalhos (GT’s) requerem um equilíbrio econômico nem sempre fácil de obter, ainda mais em ano em que não há recurso disponível. Nesses períodos, temos que usar muito mais a criatividade. Cada um dos participantes da comissão regional teve que buscar recursos dentro das próprias universidades.

Nós não conseguimos incentivos das agências de fomento, mesmo sendo contemplados por um edital. Fizemos tudo por conta própria, só com os valores das inscrições. Não aconselho a nenhuma outra organização de evento da Ciência da Informação a fazer dessa forma. É muito difícil. Realizamos esse Enancib com a cara e a coragem, tentando reduzir custos, mas sem  perder a qualidade. 

As pessoas que organizam o Enancib, fazem muito mais por amor à camisa e à área. Nós conseguimos realizar o Enancib sem prejuízo porque foi em Florianópolis. Se fosse em outra cidade sem tanto apelo turístico, não daria para fazer só com inscrição.

O coffee break, por exemplo, deve ser de qualidade, porque é um momento fundamental para trocas de informações e formação de parcerias. Então, é um momento que precisa ser o mais agradável possível. 

O tema do Enancib de 2019 foi “Ciência da Informação e a era da ciência de dados”. Por quê?

Os dados são extremamente importantes para tudo na vida. Em eventos anteriores, o tema dos dados foi apresentado de forma fragmentada, não foi apresentado como um ponto central da Ciência da Informação. Além disso, o nosso programa aqui da UFSC tem vários pesquisadores que trabalham com tecnologia. A própria reformulação do programa, há cerca de cinco anos, já teve foco nos dados: como utilizá-los, reutilizá-los, a forma como são minerados, tratados, filtrados etc.

Então, a gente já vem discutindo isso em relação à gestão da informação e à organização e representação do conhecimento, assim como o dado dentro das competências informacionais e das profissões.

O tema dos dados ganhou tanto fôlego e importância, que tem implicações diretas em praticamente todos os âmbitos da nossa vida. Em relação à política e às eleições, é possível, através do tratamento de dados, praticamente predizer quem vai ser eleito.

É o momento de a Ciência da Informação chamar a responsabilidade para si e explorar melhor o tema dos dados. Todas as revistas e eventos internacionais importantes tratam sobre esse tema. Por que não explorá-lo no Brasil, também?



Como foi composta  e escolhida a programação, incluindo os temas das atividades?

Desde o ano passado, quando a gente solicitou a organização do evento, deixamos em aberto para qualquer pessoa com interesse em promover curso ou qualquer outra atividade enviar a proposta para análise.

Em relação aos workshops, que antes estavam inseridos nos “eventos pós-Enancib” e agora estão em “eventos do Enancib”, tivemos sete atividades. Também sediamos o 9° Encontro Nacional de Educação em Ciência da Informação e o Congresso Internacional em Tecnologia e Organização da informação, este englobou o 5° Simpósio Brasileiro de Ética da Informação. 

Destaco, também, um workshop sobre ciência policial, realizado pela Polícia Federal. O nosso programa aqui na UFSC tem 24 mestrandos que são agentes da Polícia Federal, com a qual mantemos projetos relacionados à Gestão da Informação e Tecnologias de Informação. 

Outras atrações foram o 1º primeiro Seminário Internacional de Competências em Informação e o 3º Seminário de Pesquisas e Práticas sobre Competência em Informação de Santa Catarina. Outros workshops abordaram a Co-criação de Valor em Unidades de Informação e a Engenharia e Ciências de Dados, que é mais ou menos uma tentativa de mostrar ações da Ciência da Informação na área de indústria tecnológica.






O Enancib completou 20 anos em 2019, período em que foi sediado três vezes em Florianópolis. Como você avalia o desenvolvimento do Encontro ao longo dessas décadas?

Eu já participo do Enancib desde 2007, sempre com alguma pesquisa publicada. As discussões e os temas, geralmente, acompanham assuntos e acontecimentos internacionais relacionados à competência da Ciência da Informação. O Enancib não é um ponto fora da curva dos outros eventos internacionais. Para se ter uma ideia, eu fui ao evento da ISKO, no qual boa parte das discussões envolvia os dados, tema do nosso Encontro esse ano.

O Enancib já teve mais importância para a Ciência da Informação. Quando surgiram os primeiros sistemas do Qualis, o Encontro era classificado como artigo A1. O evento era muito valorizado. Com o tempo, houve enfraquecimento do Enancib, em termos de pontuação para a área. 

Até a última avaliação da Capes, o Enancib era avaliado como B1. A partir de 2017 para cá, não há possibilidade de pontuação do Enancib. A política tem sido valorizar as revistas. Para a nossa área, especificamente, isso tem bem menos representatividade. Na nova proposta, nenhuma revista A1 é da Ciência da Informação e nem da Comunicação. É possível que não tenhamos desenvolvimento da área nos próximos anos, com a redução das reflexões. 

Nos dois últimos anos, as produções do Enancib praticamente não deram pontuações. Eu acho que deveria valer pelo menos ao equivalente a uma revista B1 no antigo estrato. No evento surgem trabalhos extremamente importantes. Eu sempre cito como exemplo um dos artigos da professora Marisa Bräscher, aqui da UFSC, publicado no Encontro, que hoje tem mais de cem citações.

Se você fizer uma busca no Publish or Perish com o termo “Enancib”, você vai encontrar artigos com mais de 50 citações. Ou seja, o Enancib é um evento muito bom para a produtividade e as reflexões da área. Alguns trabalhos do Enancib têm mais citações do que muitas revistas A1 do estrato anterior. Eu acho que seria muito pertinente a criação de um Qualis específico para eventos, justamente pensando na valorização do Enancib, no ISKO e em outros eventos relevantes, o que seria um estímulo fundamental para pesquisadores participarem desses eventos.

O Enancib é fundamental para todos os estágios da academia, desde o aluno que está iniciando o mestrado até o pesquisador já em estágio avançado na carreira, passando pelo pós-graduando já mais maduro no doutorado. Eu acho, inclusive, que o Enancib deveria contemplar os alunos de iniciação científica. É o maior evento que a gente tem no Brasil, e deve ser valorizado.

Como a realidade da ciência hoje em dia tem afetado a Ciência da Informação, desde os programas até as bolsas e os periódicos?

Boa parte do que as universidades conseguem fazer hoje é em parceria com outras instituições também da esfera pública, tanto para custear pesquisas quanto para viagens para apresentação dos trabalhos, entre outras finalidades. 

Há pouco tempo a UFSC dispunha de 45 milhões de reais para todos os custeios. Hoje o valor é de 4,5 milhões. Isso dificulta a própria realização de pesquisas e eventos. Essa realidade se manifesta, inclusive, na organização do Enancib, como dificuldade para arcar passagens, materiais de divulgação etc.

Nesse sentido, é importante a gente mostrar para a sociedade o que é e o que representa a universidade. Fazemos educação, pesquisa, promovemos ações comunitárias, criamos, desenvolvemos e difundimos tecnologias. A UFSC é a quinta melhor instituição de ensino federal brasileira. Somos a melhor instituição em termos de ciência citada. Temos uma internacionalização bem consolidada, uma produtividade científica bem sólida. 

O país deve valorizar e investir nas universidades públicas, que realizam mais de 90% das pesquisas no país e criam muitos serviços e produtos incorporados por indústrias e pela população em geral. O volume de trabalho e a prestação de serviços da universidade para a sociedade é enorme.

Um professor chega a ficar 90 horas por semana na universidade, porque a gente não dá só aula. Fazemos pesquisa, extensão, temos monitoria, uma infinidade de tarefas.

Muita gente não conhece o que a gente faz aqui. É muito importante a universidade integrar as pessoas, ter trabalhos de comunicação que mostrem o que fazemos. Eu gostaria que a imprensa tradicional dedicasse mais espaço e tempo para mostrar as nossas pesquisas e outros trabalhos de ciência, tecnologia, inovação e da educação. A universidade pública deve ser interpretada como um grande valor, como importante patrimônio para a sociedade brasileira. 

Mais do que nunca as universidades públicas devem investir na divulgação científica, então … 

Sem dúvida. A Universidade perde bastante espaço quando não mostra diretamente para a sociedade tudo o que produz. Poderíamos trabalhar mais próximos, por exemplo, dos ensinos básico e secundário, principalmente formando parcerias com outras instituições públicas de ensino. Uma possibilidade é realizar visitas periódicas de estudantes nos nossos laboratórios e outros ambientes de ensino e pesquisa. Isso dá familiaridade com o contexto da ciência, tecnologia, inovação e com a educação, amadurece intelectualmente. É até mesmo um chamado para que os estudantes venham fazer os nossos cursos.

É verdade que há muitas iniciativas importantes e produtivas de divulgação científica, mas em geral são trabalhos isolados. É necessário, inclusive, que pesquisadores estejam antenados com as novidades da comunicação digital e com a linguagem audiovisual, o que inclui o Youtube e outras redes. 

O nosso modelo de comunicação na academia é muito tradicional, é o mesmo padrão desde 1665, quando surgiram as revistas científicas. Só mudou o formato, mas é a mesma representação do impresso. Não houve evolução. Por exemplo, a gente não consegue colocar nessas revistas outras atividades e outras formas de ver e interpretar a ciência. Por que a metodologia de uma pesquisa não pode ser gravada? Pode facilitar a compreensão  e a reprodução do processo. 

Quando a gente precisa mexer em qualquer equipamento eletrônico e não sabe como, nós em geral pesquisamos todo o manual ou vamos direto ao Youtube assistir aos vídeos? Qual opção é mais prática e usual?

Imagina vídeos curtos em que estudantes e pesquisadores explicam o desenvolvimento dos dados trabalhados no artigo, como se deu cada passo metodológico … não tem como não validar um trabalho assim. Algumas áreas começaram a realizar divulgações nesse modelo. A Plos One, por exemplo, já publicou parte de artigos em vídeos.

Então, a divulgação científica é prejudicada quando utilizamos linguajar inadequado, no sentido de não ser familiar e de fácil acesso a quem não é da academia. Precisamos rever a comunicação e a divulgação científicas. Não aproveitamos bem as oportunidades tecnológicas do nosso tempo, que estão aí acessíveis.

Pior, quando aparece um pesquisador competente em divulgação, ele é visto com distanciamento, tem pouca recepção do meio acadêmico tradicional. O trabalho de comunicação desse pesquisador e divulgador não é bem aceito, o que é um grande desestímulo. Mas, se quisermos aumentar o espaço na sociedade e a importância da universidade na percepção pública, temos que saber divulgar, informar, ouvir e interagir.

Qual é o impacto da altmetria para os chamados indicadores métricos tradicionais, que é o seu campo de estudo?

Eu não gosto de dar nomes específicos para cada um dos tipos de estudos métricos, porque um campo acaba interferindo em outros.

Na verdade, há uma infinidade de métricas aplicadas a qualquer área do conhecimento. A infometria trabalha exclusivamente com a recuperação da informação. O foco são palavras, buscadores, terminologias. A bibliometria se dedica à quantificação da informação bibliográfica. Há muita confusão sobre a bibliometria como termo referente à biblioteca. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.  Ela é específica para informação bibliográfica. 

Há, também, as métricas voltadas para as unidades de informação, que são a arquivometria e a biblioteconometria. A cienciometria é dedicada a disciplinas, a áreas do conhecimento e com indicadores do desenvolvimento científico de um país. Já a sociometria dá base para a gente fazer análises das relações e estruturas sociais, trabalhando com dinâmicas de grupo, teoria de Gestalt.

Recentemente surgiu a altmetria, que eu considero uma evolução da webometria, que por sua vez trabalha com o impacto na web. O problema é que a gente confunde muito a webometria como um termo para analisar revistas, e não é só isso. A webometria lida muito mais com as menções que você recebe e as menções que direciona a outros sites. Então, basicamente é link de entrada e de saída. 

O diferencial da webometria é que ela ganhou muitos espaços em indicadores, em rankings. Surgiram muitos rankings que trabalham com o impacto da informação científica na rede. Mas, rankings também apresentam tendências em favor de determinada instituição ou país. Mesmo porque as bases que eles utilizam são bases regionais, não nacionais. Por exemplo, a Web of Science é base regional americana, é baseada nas revistas dos Estados Unidos.

A altmetria veio para tentar pegar o gancho com alguns indicadores que a gente não consegue captar, como de onde vem o acesso, quantos downloads foram feitos, quantas visitas a página recebeu, quais menções foram feitas dentro de um link para o outro etc. 

Há revistas que estão lançando números especiais com os artigos que mais ganham curtidas. Recentemente publicamos um trabalho na revista Journal of Librarianship and Information Science. Antes mesmo de lançar o artigo, eles lançaram uma versão inicial da pesquisa que teve mais de mil acessos. A partir daí nós fomos convidados para publicar outro artigo no periódico. 

Então, algumas revistas já estão usando isso como parâmetro para, por exemplo, montar números especiais, para saber o que o público está consumindo, onde está consumindo. O legal disso, da altmeltria, é que não lida só dados científicos, são dados de acessibilidade da revista e de artigos que realmente têm impacto na sociedade. 

Antes, a gente fazia isso com a cienciometria, agora a gente já consegue fazer isso em tempo real. Alguns artigos são citados antes mesmo de ter a publicação com número e volume. Simplesmente é colocado no site e já é citado, inserindo o endereço como parâmetro informativo.





Você havia comentado sobre a centralidade das fake news hoje em dia. Como a Ciência da Informação deve lidar com esse tema?

Esse é um tema para o qual o profissional da informação deve estar atento, preparado para entender e lidar com esse fenômeno. É um tópico fundamental para as atividades e os desafios do bibliotecário, do arquivista, jornalista, enfim, de todos relacionados à Ciência da Informação. 

A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) tem um canal a partir do qual as pessoas fazem pesquisas para saber se determinada informação ou notícia é ou não fake news.

Nós poderíamos criar um canal com propósitos semelhantes. Isso é fundamental. Eu faço parte de vários grupos relacionados à Ciência da Informação, e frequentemente nos deparamos com fake news difundidas por algum professor. Não é por má-fé, mas sim porque acredita em determinada informação e a reproduz. 

É papel da Ciência da Informação encabeçar uma campanha de repúdio às fake news. É uma postura que seria importante para a área nos próximos anos.

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