Entrevista: comunicadores fundam a RedeComCiência


Um grupo de profissionais da divulgação científica criou recentemente a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência. A instituição está em fase de consolidação, mas a primeira gestão já tomou posse. O jornalista André Biernath, repórter da Revista Saúde, da Editora Abril, é o presidente da RedeComCiência até 2021.

Nesta entrevista para o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica, ele falou sobre os desafios e objetivos da organização, que chegou com a proposta de impactar o desenvolvimento profissional da área e, também, a forma como a sociedade lida com a informação e o conhecimento científicos. 

Biernath abordou, também, a realidade, as oportunidades e os desafios do jornalismo científico nos dias de hoje, em que a internet, a multimidialidade e as "fake news" assumem importantes proporções na comunicação e na credibilidade sociais. Uma das metas da Rede é organizar o primeiro Congresso Brasileiro de Jornalismo de Ciência. O que podemos esperar da Rede? É o que vamos conferir agora!


Entrevista

O que é a RedeComCiência? Como ela é estruturada?
A Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência é um grupo de profissionais das mais diversas áreas interessados em melhorar a divulgação da ciência em nosso país. A nossa ideia é unir os diferentes atores sociais responsáveis pelo processo de comunicação  - jornalistas, assessores, profissionais de comunicação interna, cientistas - para debater os nossos ofícios e melhorar a forma como levamos a informação até o público. Em tempo de "fake news" e de negacionismo da ciência, um trabalho desses é mais do que necessário. 

Atualmente, a rede está estruturada em uma diretoria composta por presidente, vice-presidente, tesoureira, secretária e quatro diretores. Além disso, realizamos reuniões mensais abertas para a participação de qualquer pessoa interessada.

O que motivou a criação da RedeComCiência?
Ao participar da Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência em 2017, realizada em São Francisco, nos Estados Unidos, eu estranhei e me incomodei com a baixa representatividade de jornalistas brasileiros, especialmente em mesas que tratavam de assuntos ocorridos no Brasil, como a cobertura da epidemia de zika vírus. Foi nesse mesmo evento que eu conheci algumas associações internacionais de jornalistas científicos já bem consolidadas, como as da Argentina e do México. E me perguntei se no Brasil não teria uma proposta semelhante. 

Na própria conferência, eu conversei com alguns colegas brasileiros e surgiu a ideia de criar algo parecido aqui em nosso país. Também vimos que a reconhecida Associação Brasileira de Jornalistas Científicos (ABJC) não estava mais operante, infelizmente. Começamos, então, com um grupo fechado de Facebook, que logo reuniu mais de 100 participantes nas primeiras semanas. Isso foi em fevereiro de 2018. Em março, realizamos nossa primeira reunião presencial mensal e, desde então, crescemos bastante. Atualmente temos mais de 600 participantes no grupo e acabamos de formalizar a RedeComCiência como uma associação.

Quais são os desafios da RedeComCiência?
Estamos agora formalizando a Rede para que ela vire uma entidade jurídica e possa crescer e se desenvolver. Acredito que o grande desafio seja o de engajar as pessoas para que elas se mantenham atuantes e, mais que isso, se sintam representadas pela instituição.

Quais projetos a sua gestão da RedeComCiência pretende desenvolver, até 2021?
Primeiro, queremos deixar nossa casa bem arrumada. Isso significa fazer todas as burocracias para que a Rede exista de verdade, com CNPJ, estatuto social e conta bancária. Na sequência, vamos criar um site oficial e abriremos as inscrições para os membros. O nosso objetivo é fazer o primeiro Congresso Brasileiro de Jornalismo de Ciência dentro desse período também.

"É um absurdo precisarmos fazer reportagens para mostrar que a terra é redonda, em pleno século XXI. Temos que criar mecanismos mais eficientes para lidar com as `fake news`. Talvez, isso nem envolva os seres humanos, mas sim máquinas com inteligência artificial e algoritmos"André Biernath.



A Rede pretende atuar na formulação de políticas públicas? Como?
Essa é uma questão que ainda precisamos discutir melhor para definir como será a nossa atuação. Mas pretendemos, sim, nos posicionarmos em algumas questões.

Qual é o perfil dos comunicadores da ciência hoje em dia no Brasil?
A mais ampla possível. Temos pessoas com todas as formações e vivências. E isso é muito rico e faz a rede existir. Precisamos de todas essas experiências para melhorarmos, juntos, a divulgação de ciência em nosso país. 

Como os profissionais da divulgação científica devem lidar com as "fake news"?
Esse é um dos conceitos mais proferidos nos últimos tempos. Eu, particularmente, tenho a sensação de que estamos sempre correndo atrás do prejuízo. Sai uma nova notícia mentirosa, ela causa um estrago e nós precisamos corrigir. Mas não sabemos ao certo o tamanho do problema e quantas pessoas foram impactadas. 

É um absurdo precisarmos fazer reportagens para mostrar que a terra é redonda, em pleno século XXI! Temos que criar mecanismos mais eficientes para lidar com as "fake news". Talvez, isso nem envolva os seres humanos, mas sim máquinas com inteligência artificial e algoritmos. Em paralelo, precisamos investir na educação para que as pessoas tenham uma mínima formação em ciência para que elas suspeitem e contestem as informações que fujam do método e do rigor científico.

Como promover a divulgação da ciência em tempos de redes sociais e de multimidialidade?
Apostando justamente nessas ferramentas. Precisamos estar em todos os meios que as pessoas utilizam e conversar com elas o tempo todo.

Como você analisa o mercado de trabalho dos divulgadores da ciência?
É bastante diverso e com algumas oportunidades. Mas, há muito espaço para crescer ainda no Brasil. Precisamos de programas de comunicação mais consolidados e eficientes em instituições públicas e privadas. Para que, assim, o trabalho não dependa apenas de um bom e esforçado profissional, mas que ele integre um sistema qualificado que leve informação científica de qualidade aos diferentes públicos.

Que tipo de habilidades o divulgador da ciência precisa adquirir para exercer com propriedade a profissão?
A principal delas é saber conversar com diferentes públicos e passar aquela informação, muitas vezes complexa e cheia de termos técnicos, de uma maneira palatável e entendível. Isso, claro, sem perder o rigor científico. 

Quais são os estímulos e os desestímulos da área hoje em dia no Brasil?
Acho que o principal estímulo é o quanto precisamos avançar ainda e o espaço que existe para isso. Não será uma coisa da noite para o dia. Mas ao evidenciarmos a importância da divulgação científica, mais pessoas perceberão como o trabalho nessa área é relevante. 

Você vai participar da Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, que acontece em julho na Suíça. Qual a importância desse evento para a área e quais tópicos tendem a ser mais levados em consideração?
Trata-se do principal evento da área. Ali estão os grandes jornalistas internacionais e as principais discussões sobre o jornalismo de ciência. Assim como na conferência de 2017, tive a oportunidade de conhecer e conversar com colegas incríveis, o que resultou em todo esse trabalho que estamos fazendo. Espero que na edição de 2019, eu possa fazer mais contatos, ter novas ideias e apresentar a nossa RedeComCiência para as instituições internacionais.

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