David Lyon, sociólogo: ‘A vigilância hoje é parte de nós’


David Lyon: "Sequer percebemos as câmeras ao nosso redor, e achamos que elas têm a capacidade de nos proteger, o que é falso" - Ana Branco / Agência O Globo


“Nasci há 64 anos em Edimburgo, na Escócia, e estudo os efeitos da vigilância na sociedade há mais de 40. Todos os dias me pergunto como posso fazer com que as pessoas sejam mais críticas em relação às redes sociais. Sou professor universitário em Kingston, no Canadá, onde moro com minha mulher”

Conte algo que não sei.

Uma das metáforas mais comuns para vigilância é a ideia dos “olhos de Deus”. Ela está ligada à Era Medieval, quando a noção de Deus era usada de forma repressora para tentar criar controle social. Na Bíblia, o trecho em que os “olhos de Deus” são descritos não tem a ver com controle, mas com cuidado. A servente de Abraão e Sara, Agar, foi resgatada do deserto por um anjo. Ela estava vulnerável, e Deus a encontrou. Acho esse um ponto fascinante para começar a falar de ética na vigilância.

Expomos nossas vidas diariamente nas redes sociais. Nós queremos ser vigiados?

Geralmente, vemos a vigilância como uma espécie de alienígena que invade nossas vidas. Na verdade, ela hoje é parte de nós. Sequer percebemos as câmeras ao nosso redor, e achamos que elas têm a capacidade de nos proteger, o que é falso. Ninguém vai dizer: “Eu quero ser vigiado.” Mas nossas atividades criam as informações que empresas e agências querem. Muitas pessoas ainda acham que vigilância é grampear o telefone. Não é o conteúdo que interessa, mas os metadados. Quem são seus amigos, para quem liga, quanto tempo fica no telefone, para onde viaja...

As revelações de Edward Snowden mudaram a forma como a vigilância acontece?

Ainda é cedo para dizer. É interessante porque, desde que as informações do Snowden vieram à tona, vários países aprovaram leis que permitem acesso a informações pessoais sem autorização judicial. Ao mesmo tempo, empresas de tecnologia se colocaram claramente contra essas ações. Parece que na era pós-Snowden há uma espécie de nervosismo sobre essa liberdade para coletar dados.

Como saber o que é feito com nossas informações?

Os cidadãos estão cada vez mais transparentes para as grandes organizações, enquanto elas são cada vez menos transparentes. Não sabemos o que fazem, por que o fazem, e quais serão as consequências disso. No caso da NSA, foi preciso que alguém arriscasse a própria vida para que soubéssemos o que estava acontecendo. Isso é muito sério. Deveria haver mais pessoas com a coragem e a ética de Edward Snowden para nos revelar o que se passa. De que outra forma podemos saber? Esse é um desafio crescente.

Essa vigilância é eficiente?

Os sistemas são eficientes para muitas coisas, mas não necessariamente para aquilo que foram criados. Os dados coletados pela NSA ajudaram a prevenir atos terroristas? Não. Na verdade, eles ajudam a identificar quem pode ser o culpado por um ato que já foi cometido. Mas essa vigilância é eficiente em várias outras coisas. Ela ajuda a dividir a população em categorias, de acordo com o seu possível envolvimento em um ato terrorista, por exemplo. Nesse ponto, exatidão, objetividade e verdade são questionáveis. Muitos inocentes caem nesses grupos por causa de erros nos sistemas de monitoramento.

Como isso é prejudicial?

Se você classificar uma pessoa como suspeita, não vai lidar com ela da mesma maneira que lidaria com todas as outras. Há 1,2 milhão de americanos em listas de suspeitos. Se você está em um grupo desses, mesmo que não tenha nada a esconder, não significa que não tenha nada a temer. Por isso, é crucial discutir ética na vigilância.

Fonte: Barbara Marcolini/ O Globo.

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